Solstício (novel) - Capítulo 01
Em seguida, um tiroteio em Gênova, Itália. O tiroteio, que ocorreu na Piazza Corvetto às onze horas da manhã do dia 15, envolveu policiais que estavam conduzindo uma busca e…
River desligou a TV sem hesitar.
Ela não entendia por que o tio Ben era tão apegado àquela sucata velha com mais de 30 anos. Ele até tinha um filho no FBI, poderia facilmente pedir que ele comprasse uma nova.
Faltavam dez minutos para as nove, hora de os hóspedes do camping começarem a fazer o check-out. Mas os únicos hóspedes eram um casal que parecia estar passando por uma fase difícil e, com a chuva, provavelmente seria um dia lento.
Ela abriu a geladeira, mas tudo o que havia era uma Coca Zero, uma sobra do dia anterior de macarrão com queijo e uma maçã. Sem hesitar, pegou a maçã quando ouviu alguém arrastando pantufas pelo chão.
— É só isso que você vai comer?
Era Benjamin, como sempre. As poucas palavras que se seguiram foram abafadas pelo barulho da cafeteira, mas provavelmente eram apenas algumas piadas bobas. River mordeu a maçã recém-lavada e disse:
— Você acordou tarde. Achei que fosse pescar com seus amigos hoje.
— Cancelei. Como posso ir pescar quando meu único filho está vindo para casa?
— O Nate vem hoje? Não era no próximo fim de semana?
— A agenda dele mudou de repente.
— Então teremos que preparar comida para três esta noite.
Depois que entrou para a Divisão de Investigação Criminal do FBI, todo mundo disse que Nate nunca voltaria para a sombria Detroit. Ele arrumou um apartamento perto do trabalho, então por que se importaria em vir para um lugar como este? Mas ele vinha para casa em todas as férias. Claro, todos, inclusive River, sabiam que Nate não vinha apenas por sentir saudades de sua cidade natal.
— Vou ao mercado mais tarde. Posso pegar sua caminhonete emprestada?
— Não seja boba. Ela é sua agora, você não precisa da minha permissão para dirigir. Mas por que essa ida repentina ao mercado?
— Preciso comprar algo para comer. Você não quer pedir comida chinesa de novo como da última vez, quer?
— Eu gostei daquele lugar, mesmo que o macarrão estivesse todo mole.
— Nate disse que tinha gosto de xixi de gato. Enfim, que tal um espaguete com almôndegas para o jantar? Ou devo fazer algo mais elaborado?
— Ele come qualquer coisa que você fizer.
Quando River deu a última mordida na maçã, o sino de latão da porta da frente do primeiro andar tilintou, com o rangido das tábuas empenadas do assoalho.
— Deve ser um hóspede fazendo check-out. Vou descer.
Mas quando River passou pela porta interna e desceu as escadas, foi recebida por um rosto familiar.
— Nate!
Assim que viu River, seus olhos verde-oliva brilharam de alegria. Ele devia estar trabalhando em um caso de longo prazo, já que estava tão ocupado com um caso importante ultimamente. Dava para perceber só pela barba por fazer no queixo que ele não tinha feito direito, o que era incomum para ele.
Seus cabelos ruivos estavam levemente úmidos, como se tivesse sido pego pela garoa, mas River não se importou e o abraçou. Um aroma fresco e aconchegante tomou suas narinas.
— Você está adiantado, pensei que viria esta noite. Como você tem passado?
— Mais ou menos.
Nate estreitou os olhos e observou River rapidamente, como se tentando encontrar algo diferente nela desde a última vez que se viram.
— Você parece ter emagrecido um pouco.
— Que nada. Talvez seja só o tempo que você não me vê.
Ela fingiu que não, mas era mentira. River havia perdido cerca de seis quilos desde sua suspensão. Nate sempre teve um olho estranhamente atento para detalhes desde criança, então ele provavelmente notou dessa vez também. Mas, por sorte, ele não insistiu no assunto.
— Onde está meu pai? Ele saiu?
— Está lá em cima. Você ainda não tomou café da manhã, não é? Posso fazer uma torrada ou algo assim—
Tilintar. O sino de latão da porta anunciou a chegada de um segundo visitante.
— Ah, um hóspede. Só um momento, por favor…
A voz de River se perdeu quando ela encarou o “hóspede” que entrou em seguida.
Nate não era o único visitante naquele dia. Um homem de meia-idade com mechas grisalhas no cabelo acenou levemente para River por trás de seus óculos.
Jonathan Spencer, seu antigo superior, que agora poderia ser considerado um estranho.
— Há quanto tempo, River Winstead. Como você tem passado?
O perfume sofisticado, os sapatos bem engraxados e o terno impecável eram tão deslocados naquele camping decadente que pareciam estranhos.
River não respondeu e desviou o olhar para Nate. Ela gesticulou com os olhos, pedindo que explicasse o que estava acontecendo, mas ele permaneceu em silêncio, com um ar preocupado.
No fim, foi Jonathan quem falou novamente:
— Vim porque tenho algo importante para discutir.
— É sobre a minha reintegração?
— Quanto a isso…
Jonathan e Nate. Nenhum dos dois conseguiu terminar a frase. Então não era sobre sua reintegração. Ela nem esperava por isso, de qualquer forma. De jeito nenhum iriam reintegrar facilmente uma mulher que disparou seis tiros de munição real e estava sob investigação por uso excessivo da força.
— Se não for isso, acho que não tenho nada a dizer a você.
— Winstead, apenas ouça. É um assunto sério —
— Lamento, mas não posso oferecer café. A máquina está quebrada. Poderia, por favor, se retirar?
Naquele momento, a porta interna se abriu. Tio Ben descia as escadas depois de ter ouvido a voz do filho. Segurava uma caneca de café recém-passado — ironicamente.
— Nate! Você devia ter me avisado que viria mais cedo!
Ben sorriu largamente e estendeu os braços para abraçar Nate, mas hesitou por um momento quando avistou o estranho. Jonathan o cumprimentou com a cortesia devida, mas foi só. Como para provar que não estava ali para conversa fiada.
— Não, pai. Na verdade, hoje não estou aqui de férias.
A expressão de Ben se apagou levemente, com a decepção diante daquelas palavras.
— Então?
— Estou aqui a trabalho. É sobre a River.
Um silêncio constrangedor se instalou por um momento. As gotas de chuva batendo contra a janela estavam ficando mais fortes do que antes. Nate se posicionou entre River e Jonathan, que se encaravam em silêncio.
— River, vai levar só um minutinho. Podemos conversar? Em outro lugar que não seja aqui.
Então era por isso que os dois tinham vindo até aqui. River não se deu ao trabalho de esconder seu desagrado.
Se recusasse a proposta de Nate ali mesmo, ele voltaria com Jonathan Spencer, e o Tio Ben ficaria desapontado por a tão aguardada visita do filho ter terminado de forma tão estranha.
Nessa situação, River só tinha uma escolha.
— Vamos para um lugar mais reservado, agente Winstead. Você não precisa me dar café.
Antes mesmo que ela pudesse responder, Jonathan, que estava encostado na porta, falou de forma brusca, como se estivesse esperando por aquele momento.
🌸🌸🌸🌸
Um trailer vazio no canto do camping é úmido, mas é o lugar perfeito para uma conversa confidencial. River colocou duas latas de café que trouxe consigo na mesa improvisada, que não estava nivelada. Era o mínimo que podia fazer por seu antigo superior.
— … Agora, por favor, poderiam me dizer qual é esse ‘assunto sério’?
Mas ninguém pegou o café, e também não explicou por que veio. Jonathan Spencer abriu a boca justamente quando a paciência de River começava a se esgotar enquanto aguardava uma resposta.
— Tudo o que vamos discutir a partir de agora é ultrassecreto.
Claro que seria. Só o fato de o arrogante Jonathan Spencer ter vindo pessoalmente até esse fim de mundo já era o suficiente para deduzir isso.
— Há uma missão que quero que assuma. Se você concluir com sucesso, eu a reintegrarei à sua antiga posição.
River estremeceu diante da proposta inesperada. Achava que a suspensão era praticamente uma sentença definitiva de afastamento. Mesmo que tivesse sorte de voltar, acreditava que seria enviada a um arquivo empoeirado ou colocada em um trabalho ainda pior.
Então só havia uma explicação.
Ou a missão era extremamente perigosa, ou extremamente suja.
Mas, no momento, ela era movida mais pelo desespero do que pela razão.
— Qual é a missão?
— Estamos procurando Antonio Ranieri. Uma equipe especial foi formada com a DEA e o governo italiano.
Antonio Ranieri.
Um chefão da máfia que ocupava uma posição absoluta no tráfico italiano, o inimigo de seus pais. E…
— … Ele não é o cara que está desaparecido há anos?
— Sim, até surgiram rumores sobre sua morte. Mas a sucessão ainda não ocorreu. O que significa—
— Que ainda está vivo. Se estivesse realmente morto, um novo chefe já teria surgido.
— Exatamente. Então decidimos mudar nossa abordagem. É mais rápido reprimir quem está escondendo ele do que encontrar o cara que está se escondendo.
Em teoria, Spencer estava certo. Não é preciso entrar diretamente na toca para capturar uma fera.
Mas ele era um figurão entre a elite, um homem que construiu um império do zero. Isso significava que não seria pego tão facilmente. Inúmeras operações para prendê-lo já não haviam fracassado?
Como se lesse os pensamentos de River, Jonathan suspirou profundamente.
— O problema é que ninguém sabe onde ele está. Até os agentes que contataram os caras de nível médio não tiveram sorte. Mas há apenas uma pessoa que achamos que pode ter uma pista.
— Quem?
— Alessandro Ranieri.
Ah, não.
‘… Droga.’
Memórias que não deveriam ser tocadas estavam sendo remexidas sem piedade.
‘Sandro?’
Tiros, dor e… lembranças do passado que ela queria arrancar de si.
Como poderia esquecer aquele nome?
— Se aproximar do único filho que herdará a coroa. Essa é sua missão, River Winstead.
River torceu e mordeu o lábio inferior. Era um hábito crônico que carregava a vida toda. Reaparecia sempre que ficava nervosa, com raiva, ou quando o passado manchado de sangue revisitava, como naquele momento.
Demorou muito até que River conseguisse abrir a boca.
— Por que eu?
— Mulher asiática ou mestiça. Fluente em inglês e italiano. Habilidosa no uso de armas e no combate corpo a corpo, além de excelente em decifrar códigos.
Com essas palavras, Jonathan estreitou os olhos e observou River de cima a baixo. Ele a avaliava como se fosse um produto de alta qualidade. Não era diferente do olhar desagradável que ela recebia ocasionalmente de suspeitos ou colegas homens.
— … E bonita.
Jonathan Spencer assentiu. Parecia ter decidido que a mulher à sua frente era suficiente para despertar os desejos de Alessandro Ranieri.
— Você é a única agente que preenche todos esses requisitos.
(Elisa: Manhwa também disponível na Fênix, sem censura.)
Continua …
Tradução: Elisa Erzet