No Fim do Inverno - Capítulo 16
Essa Coisa Inútil
[Assim que o casamento for realizado, farei o possível para engravidar de Johannes Reinhardt o mais rápido possível, conforme as ordens de Sua Majestade Wilhelm II. Como se trata de uma questão de solidificação da aliança entre nossos dois países, darei o meu máximo. Por favor, não se preocupe.]
Ela mesma havia acabado de escrever isso. Eunice não imaginava que essa parte pudesse causar problemas.
Olhos sem vida a encaravam de cima, como se a interrogassem. Eunice não conseguia se mover, como se estivesse presa por correntes invisíveis.
Johannes segurou o queixo dela com seus longos dedos, forçando-a a encará-lo diretamente antes de falar com voz pesada:
— É como se você tivesse sido vendida como uma refém.
— … E não fui?
Não era sua intenção dizer isso em voz alta, mas o pensamento escapou de sua garganta. Seu olhar vacilou, confuso. A boca estava seca.
As nações do sul se sentiam ameaçadas pelo crescente poder militar de Nordisch. Especialmente os Reinos de Tranche e Candel, que faziam fronteira com a Terra da Morte, tratavam o assunto com extrema seriedade.
E, no entanto, ele dizia que ela era como um refém? Era desconcertante que o próprio homem que desencadeou a aliança matrimonial agisse como se não soubesse de nada.
— Hã? Uma refém… Eu deveria ter imaginado que era algo assim, para que uma dama preciosa do Sul fosse enviada a um lugar como este. Eu fui ingênuo, Eunice von Pavlone.
— …
— Mas você sabia?
— …
— Eu não gosto de submissão.
Sua voz era profunda como um eco de uma caverna. Os lábios de Eunice tremiam sem ela perceber. As palavras e o tom não combinavam.
Como não agir de forma submissa diante de um homem tão aterrorizante?
De repente, a lembrança da agitação no escritório passou por sua mente.
Ele era o mesmo homem que havia sorrido radiante apenas por devolver uma luva. Mesmo quando Louise fora absurdamente rude, ele apenas franziu a testa, não emanava essa aura fria como agora.
Era difícil acreditar que o homem de então e o que estava diante dela fossem a mesma pessoa.
— O que você planeja alcançar fortalecendo essa aliança?
Seus olhos azuis e gélidos cintilavam enquanto ele inclinava a cabeça de maneira estranha. Ela não sabia que resposta poderia aliviar seu descontentamento.
Eunice optou por uma resposta padrão.
— Espero que Nordisch e Tranche desenvolvam um vínculo mais forte…
— E depois?
— Não desejo nada em particular.
— Nada?
— Estou apenas cumprindo meu dever.
— Ah, sim. Cumprindo essa maldita ordem de Wilhelm II.
— …!
O tom abertamente sarcástico fez os olhos verdes de Eunice tremerem perigosamente. Johannes a observava com frieza e soltou uma risada seca e zombeteira.
— Bem, estou ansioso para ver, até onde você será obediente.
— …
Foi uma ofensa.
As lágrimas ameaçavam cair de vergonha, mas Eunice respirou fundo.
Assim como não havia nada de errado em sua carta, Johannes também não disse nenhuma mentira.
Eunice faria o possível para satisfazê-lo. Essa era a razão de estar ali e o dever que precisava cumprir.
Mas, apesar das palavras duras, os olhos azuis de Johannes cintilavam com inquietação. Como se ele tivesse cometido um erro.
Sua mão soltou o queixo dela. Eunice olhou para ele com um olhar conflituoso.
Johannes franziu a testa, encarou o vazio, depois lançou um olhar furioso para a carta ofensiva e, por fim, encontrou seus olhos novamente.
Uma voz amarga escapou entre os dentes cerrados:
— Parece que a amada dama não veio de um passado muito bonito.
Era meia verdade, meia mentira.
Ela nunca fora amada, mas era fato que o caminho até o noivado não tinha sido bonito.
Johannes parecia extremamente irritado. Falava como se mastigasse cada palavra:
— Escreva uma carta para seu pai, que deve estar sem dormir, preocupado com a filha que vendeu.
Eunice permaneceu em silêncio até que a porta se fechou atrás dele.
🌸🌸🌸
Ducado de Pavlone, Saint-Laurent
A residência ducal estava tensa com a visita inesperada de um nobre ilustre.
Rockford, que passava a maior parte do ano em Melvorne, teve que admitir, ainda que a contragosto, que sentia a ausência de Eunice.
Com sua partida, as tarefas administrativas, que antes ela realizava com destreza, se tornaram excessivamente sobrecarregadas.
Enquanto ensinava seus filhos sobre os assuntos da propriedade, a visita inesperada fazia a ausência de Eunice pesar ainda mais.
— Por que o senhor acha que Sua Alteza veio?
Philip perguntou enquanto caminhavam para a sala de recepção. Rockford lançou um olhar para seu herdeiro e voltou a encarar o corredor à frente. Havia uma ponta de expectativa na voz do rapaz.
Era compreensível. Sempre que Kallion visitava Saint-Laurent, usava Philip como desculpa.
Para caçar. Para descansar depois de muito tempo. Porque gostava de conversar com ele.
Mas essas eram apenas justificativas superficiais.
O verdadeiro motivo sempre fora Eunice.
Eunice, que já não morava mais naquela mansão.
— Não faço ideia. Também estou curioso.
E por isso mesmo, era um mistério. Por que o príncipe herdeiro Kallion viera até Saint-Laurent se Eunice não estava lá?
Por via das dúvidas, Rockford levou Philip consigo, mas seu instinto dizia que o assunto não era o filho.
Ao entrarem na sala, encontraram Kallion ocupando o assento de honra. Sentado com uma perna cruzada, apoiando o queixo na mão, completamente insolente.
Até Wilhelm II demonstrara respeito básico por Rockford como um duque. Mas aquele príncipe mimado transbordava presunção.
— Sente-se, Duque Pavlone.
Kallion gesticulou com o queixo e olhou brevemente para Philip como se estivesse espantando um inseto.
‘Então eu estava certo. Não era sobre ele.’
O olhar rude do príncipe fez a pressão de
Rockford subir, mas se conteve. Por mais podre que o garoto fosse, o sangue real o tornava futuro rei. Criar inimizade seria imprudente.
Assim que se sentaram, Kallion, que balançava o pé desrespeitosamente, foi direto ao assunto:
— Alguma notícia de Eunice?
— …
Como esperado.
Rockford suspirou por dentro diante da obsessão grotesca e constante do príncipe. Ele era o motivo de Eunice ter sido enviada para tão longe, e ainda assim, permanecia obcecado.
Com voz controlada, Rockford respondeu:
— Vossa Alteza, atravessar a Terra da Morte leva tempo.
— Então nem sabe se ela chegou viva do outro lado? O senhor não se preocupa, duque, que sua filha possa estar morta?
Claro que ela chegou viva. Havia anos que a rota entre o Norte e o Sul estava segura. E mesmo assim esse garoto ainda ignorava o básico…
O futuro de Tranche parecia sombrio.
— Os cavaleiros que a escoltaram até a metade do caminho relataram que o próprio Rei de Nordisch liderou a escolta. Portanto, Vossa Alteza não precisa se preocupar com Eunice.
Rockford sentia-se compelido a acalmar aquele pirralho e mandá-lo de volta para Melvorne.
Ele já havia ferido profundamente o orgulho da Princesa Lichena e enfrentado o Duque de Schwart.
Com Eunice fora do tabuleiro, Rockford acreditava que os problemas haviam terminado. Mas se Kallion continuasse agindo assim, poderia até provocar a fúria de Wilhelm II.
— O quê? Aquele rei cruel foi pessoalmente?
Mas, em vez de tranquilizado, Kallion se exaltou. Saltou da cadeira e gritou:
— Maldição! O senhor é o problema, duque!
Ele apontou o dedo diretamente para Rockford. Philip, do lado, olhava ao redor, inquieto.
— O que fez quando Eunice foi considerada como candidata? Sua filha foi enviada para uma terra hostil! O senhor nem tentou impedi-la, dizem que aceitou com alegria! E se diz pai? Não se preocupa que ela possa sofrer nas mãos daquele homem terrível?!
— …
Quem foi o responsável por Eunice ser escolhida, afinal?
Ver aquele que causara tudo agir assim deixou Rockford sem palavras, mas ele nada disse. Porque Kallion não estava errado.
Ele não se preocupava com Eunice.
Nunca teve intenção de agir como pai daquela menina.
Se pudesse, apagaria todos os vestígios de Solenne.
Queria extirpar o passado sombrio que o arrastara ao desespero e começar uma vida do zero.
Agora que Eunice estava fora do caminho, achava que tudo estava resolvido…
— Contate Nordisch imediatamente! Descubra qualquer coisa sobre a situação dela!
— Se chegar uma carta, enviarei imediatamente através de Philip. Vossa Alteza, então, por agora, peço que retorne a Melvorne…
— Está brincando comigo? Acha que vim até aqui por diversão?
— …
— Estou desesperado, é por isso! Só de pensar em Eunice sendo violentada por aquele homem, não consigo dormir! Estou ficando louco!
Violentada… violência entre marido e mulher?
Mas tocar nesse assunto só pioraria as coisas.
— Então, por favor, aguarde a carta—
— Vai demorar para levá-la até Melvorne, não vai?!
O último grito foi um chilique infantil.
Enquanto o príncipe berrava descontrolado e seu filho observava inquieto, Rockford fechou lentamente os olhos.
Eunice, essa coisa inútil. 😡
Pensar que precisava suportar os surtos do príncipe por causa dela fazia a irritação fervilhar em suas veias.
O grito estridente de Kallion ecoava em seus ouvidos:
— Até que a carta de Eunice esteja em minhas mãos, não darei um único passo daqui!
Continua…
Tradução: Elisa Erzet