No Fim do Inverno - Capítulo 14
Esse Inferno de papelada.
A missão havia sido um fracasso! Eunice sentiu um desânimo tomar conta.
‘Se eu recuar agora, todo o esforço que fiz para chegar até aqui terá sido em vão.’
Diante de uma situação em que gerar um filho de Johannes Reinhardt era a única garantia de sobrevivência, ela tentou encontrar uma saída por menor que fosse usando sua inteligência.
Se conseguisse se envolver com os assuntos administrativos do reino, acreditava que poderia construir uma base sólida, mesmo começando do zero.
Ela tinha capacidade. Se alguém confiasse a ela o trabalho, estava certa de que poderia fazê-lo bem.
Tinha a experiência acumulada e o tempo que passara administrando o vasto Ducado de Pavlone no lugar do pai, Rockford.
Mas, sem que lhe fosse dada uma oportunidade, não havia como provar sua utilidade.
Isso significava que o valor de Eunice no Reino de Nordisch dependia unicamente do favor de Johannes.
‘O que eu faço?’
Não havia necessidade de pressa. Fazia apenas dois dias desde que chegou à capital, Berzan, e o casamento real ainda não foi realizado.
— Provavelmente você tem muito o que preparar para o casamento também…
Foi nesse momento que ela ouviu a voz de Johannes. Embora ainda contivesse um sorrisinho, ficava claro que ele queria mandá-la embora rapidamente.
— Já escolhi o vestido e as joias ontem. Também revisei a ordem da cerimônia.
— Tão rápido?
Surpreso, Johannes olhou para Eunice com outros olhos. Isso deu a ela um fio de esperança.
— As mulheres normalmente não costumam passar dias escolhendo essas coisas?
— Cada uma é diferente. Por isso…
Após hesitar por um instante, ela reuniu coragem e falou. Esperava que ele não a dispensasse com uma risada desta vez.
— Estava falando sério quando disse que queria ajudar.
— O quê?
Johannes inclinou a cabeça, intrigado.
Embora Eunice não visse, já que estava de costas, até Glenton, que voltou a se concentrar na papelada, olhou para ela novamente.
— Parece que há uma pilha enorme de documentos. Tudo bem se eu ficar e ajudar?
— …
Johannes não respondeu. Seu rosto tinha a expressão de quem ouvira algo completamente absurdo.
‘Disse algo tão absurdo assim?’
Eunice ficou desconcertada.
Tinha imaginado que oferecer ajuda, no momento em que fosse necessária, poderia lhe render algum crédito. Claramente, julgou mal.
— Eunice.
Johannes falou com uma seriedade rara, sua voz cortando o ar.
— Não tenho a menor intenção de te arrastar para esse inferno de papelada.
— Inferno? Eu só…
— Se não tem nada para fazer, vá se divertir. Conheça a cidade ou o palácio. Não te trouxe aqui para te pôr para trabalhar.
— …
‘Então ele está me dizendo para não me intrometer nos assuntos internos.’
Ele estava traçando uma linha clara, tratando-a como uma estrangeira.
Mesmo que ela fosse viver ali pelo resto da vida.
O homem voltou o olhar para os relatórios novamente, como se não houvesse mais nada a considerar, mergulhando a pena na tinta.
Ao ver aquilo, Eunice suspirou profundamente.
Sua atitude indiferente fez seu peito doer de um jeito inesperado.
‘Até aqui, sou tratada assim.’
Ela já estava acostumada, então por que ainda doía?
— Vossa Majestade, a Senhorita Louise Dunkel está aqui.
O anúncio veio do lado de fora naquele momento. Johannes largou a pena com um suspiro irritado.
Se recostando na cadeira, resmungou com evidente aborrecimento:
— Por que tem tantas interrupções hoje?
— …
Era óbvio que uma dessas interrupções era ela. Os ombros de Eunice se encolheram instintivamente.
A porta se abriu sem esperar permissão.
Uma mulher de cabelos ruivos intensos, amarrados em um rabo de cavalo, entrou com uma presença marcante.
— Vossa Majestade! Finalmente vai se casar?
— Louise… Barulhenta como sempre.
— Parabéns! Depois de evitar mulheres por tanto tempo… Ah, é esta linda senhorita?
A mulher que entrara arregalou os olhos dramaticamente ao avistar Eunice.
Seus olhares se encontraram, e Eunice deu um sorriso tímido.
Ela estava vestindo armadura, não um vestido.
Aparentemente, servia como cavaleira, uma função tradicionalmente para homens. Eunice achou aquilo surpreendente e fascinante.
— Sou Louise, a orgulhosa filha de Dunkel. Ouvi dizer que uma jovem nobre do reino sulista de Tranche, havia chegado. Então é verdade.
Com o punho cerrado no peito num, gesto de saudação militar, Louise a cumprimentou.
— Eu sou Eunice von Pavlone. Prazer em conhecê-la, senhora Louise.
— Ouvi dizer que chegou há alguns dias, mas o que faz no escritório? Não me diga que Vossa Majestade está empurrando o seu trabalho para a noiva?
— Pelo contrário.
Johannes lançou um olhar de reprovação para Eunice, como se ela fosse um incômodo e isso a magoou profundamente.
Inútil.
A palavra que a assombrava desde a infância ecoou como um sussurro alucinado.
— Minha noiva que veio atrás de trabalho…
— Sério?
Louise perguntou com entusiasmo.
O tom vibrante da voz puxou Eunice para fora do abismo emocional em que começava a afundar.
— Nossa, então você a escolheu sabendo disso? Nosso rei é mesmo criterioso.
— Eu já disse que não é bem assim!
Bang!
Nem mesmo bater na mesa adiantou.
Louise o ignorou e balançou o dedo enquanto cochichava com Eunice:
— Nosso rei não tem absolutamente nenhum talento para papelada. Toda vez que um relatório cai em sua mesa, ele acha que está sendo torturado.
O boato sobre Johannes ser um tirano era falso, ou Louise simplesmente não tinha medo?
No meio do caos, Eunice piscou algumas vezes.
‘Pensando bem, ele mencionou algo sobre “inferno da papelada” mais cedo.’
Ao olhá-lo novamente, Johannes franziu a testa e lançou palavras afiadas para Louise:
— Louise. Você veio na hora certa.
Soava mais como uma ameaça.
Johannes vasculhou a pilha de papéis e arremessou um deles em Louise.
Era leve e flutuou fracamente até o chão, como uma borboleta.
O título no relatório dizia: O Surgimento de um pasto na Terra da Morte.
— Quem mandou escrever isso desse jeito?
— …
Louise olhou para o papel a seus pés, depois para Johannes e sorriu descaradamente.
— Resumi para não sobrecarregar Vossa Majestade com um texto longo demais.
— Eu devo acreditar nisso?
— Ah, qual é. Somos parecidos, não é?
Sem um pingo de vergonha na cara, Louise deu de ombros.
E então disse algo que Eunice jamais imaginaria ouvir:
— Isso não é meio cruel para alguém que veio te dar parabéns? Sinceramente, eu achava que havia algo de errado e que Vossa Majestade fosse brocha… Vim correndo aliviada por saber que não era o caso.
Os olhos verdes de Eunice se arregalaram em choque.
‘Ela disse mesmo… “brocha”? Que comentário absurdo…’
Ficou boquiaberta, e, no mesmo instante, seu olhar encontrou o de Johannes.
Sem perceber, seus olhos desceram abaixo da mesa e voltaram rapidamente em pânico.
Talvez fosse um alívio que a mesa bloqueasse sua visão.
Ou talvez isso não importasse.
Os olhos azuis de Johannes tremeram violentamente, como se atingidos por um terremoto ao perceber seu olhar constrangido.
Enquanto isso, a causadora do caos, Louise, continuava como se nada tivesse acontecido.
— Desculpe por duvidar. Claro, só o casal pode confirmar. Hahaha!
— Feche essa boca…
— Eu vou indo, então!
Johannes e Eunice falaram ao mesmo tempo.
Seus olhares se cruzaram, perfeitamente encaixados por um breve instante.
Com o rosto corado, Eunice virou a cabeça bruscamente.
— Acho melhor eu ir. Preciso escrever uma carta para Tranche.
Isso não era verdade.
Ela não tinha planos de escrever carta alguma para Tranche hoje.
O Ducado de Pavlone, a família real… ninguém esperava uma carta sua.
Ainda não se casaram, e não estava grávida. Não havia nada a dizer.
Mas, na ânsia de sair dali, soltou a frase sem pensar.
Glenton, sempre composto, levantou com elegância.
Como se quisesse deixar claro que não tinha nada a ver com aquela loucura, gesticulou graciosamente em direção à porta.
— Pode usar um corvo. Eu a acompanharei.
— Ah, sim…
Eunice assentiu, atordoada.
Sair daquele campo minado era sua prioridade absoluta.
Click.
O som da porta fechando ecoou alto no ar.
Um silêncio constrangedor caiu sobre o escritório.
Agora, carregando o fardo de provar a integridade de suas… partes íntimas, Johannes lançou um olhar furioso à causadora da desgraça.
Louise, evitando seu olhar penetrante, assobiou descaradamente.
— Louise.
Sua voz, agora fria como um sopro vindo do submundo, refletia sua pressão arterial.
Pegando o relatório que tinha jogado, Johannes o amassou em uma bola apertada.
E então arremessou a bolinha de papel direto no rosto de Louise, gritando:
— Reescreva isso. Agora mesmo! 🥰
Continua…
Tradução Elisa Erzet