No Fim do Inverno - Capítulo 09
Esconde-esconde
— Ufa, dá para ver claramente.
Eunice examinava seu reflexo na janela da carruagem, achando que ele mostrava melhor seu cabelo do que o espelhinho de mão.
‘Será que está bom o suficiente…?’
Ela era noiva há apenas um dia, e já parecia exausta. O que Johannes pensaria?
Amarrou e desamarrou o cabelo mal penteado várias vezes.
Respirando fundo, Eunice olhou para o pequeno embrulho ao seu lado.
Um dos cavaleiros havia entregado aquilo antes da partida. Dentro, encontrou frutas desidratadas e carne seca, parecia ser o café da manhã.
— Talvez eu coma um pouco.
Seu estômago roncou, ainda não havia comido nada.
Pegou um pedaço de fruta e mastigou devagar. A textura fibrosa liberou uma doçura suave.
Mastigando em silêncio, observou a paisagem que passava lá fora. Rumo ao norte, cada vez mais.
‘Como será o Reino de Nordisch? Chamavam de “terra do inverno”. Havia neve cobrindo tudo? Pelas planícies áridas lá fora, ainda parece estar longe.’
‘Quando foi que a Terra da Morte começou a se recuperar assim?’
Como a princesa Lichena disse, o pasto brotava aqui e ali. Para Eunice, acostumada ao próspero Ducado de Pavlone, a terra ainda parecia estéril, mas não morta.
Se esse lugar não era mais um deserto…
Se as pessoas pudessem viver aqui novamente…
Johannes avançaria para o sul, expandindo seu território?
Levantaria um exército e marcharia sobre as terras férteis do sul?
Não era uma preocupação infundada. Nem algo distante.
Ele encantaria as pessoas com sua beleza e, em seguida, as derrubaria sem piedade. Era assim que conquistaria o Sul.
Um arrepio percorreu sua espinha.
A realidade de ser um peão político parecia gravada em cada célula de seu corpo. De repente, a fruta em sua boca ficou amarga. Ela desviou o olhar para seu reflexo na janela.
Uma expressão vazia a encarava um rosto que mal reconhecia. Parecia, ao mesmo tempo, estranho e dolorosamente familiar. Olhando para si mesma como uma estranha, perguntou:
— Eunice… o que você pode fazer?
Teria que usar o mesmo rosto que um dia obcecou Kallion para cativar Johannes?
Deveria conquistar sua confiança com o mesmo esforço que usou para buscar a aprovação do pai?
Ou talvez precisasse fazer ambos.
Gostando ou não, Tranche era sua pátria. O país onde nasceu e cresceu. A terra que sua mãe, que ela só conhecia por retratos havia amado.
Soleanne, sua mãe, construiu orfanatos, ajudava os pobres e vivia sua nobreza com dignidade.
Todos diziam que ela era perfeita, o suficiente para fazer até o reservado Duque Rockford se apaixonar.
Eunice se esforçou tanto para ser como a mãe que nunca conheceu.
Seu esforço, sua devoção em fazer o bem, estava enraizado no Ducado e em Tranche.
Só isso já era motivo suficiente para protegê-lo.
Tranche não era algo que pudesse descartar por causa de algumas más recordações. A ideia de sua terra natal sendo engolida por chamas, encharcada em sangue, doía em seu peito.
Segundo as ordens de Wilhelm II, ela precisava conquistar Johannes Reinhardt.
Tinha que garantir que essa aliança matrimonial não fracassasse. Necessitava se tornar alguém que compartilhasse seu coração, com influência suficiente para influenciar suas decisões e planos.
‘Mas… será que eu consigo mesmo?’
Enquanto se fortalecia com determinação, a dúvida começou a brotar. Foi então que um rosto apareceu de repente na janela, tirando-a de seus devaneios.
— Aaaah!
O próprio homem que enchia seus pensamentos — Johannes Reinhardt.
Eunice fechou a boca rapidamente e engoliu em seco. Isso é ruim. Muito ruim.
O noivo, a quem acabara de gritar, franziu a testa, incrédulo, sua insatisfação era óbvia.
Seus olhos azuis e frios ficaram ainda mais afiados.
— Hã?
Como se perguntasse: “Você gritou realmente com seu noivo?”
Ele a examinou com clara desaprovação e, de repente, começou a acenar a mão na frente de seu rosto, como se espantasse uma mosca.
‘Ele está me mandando sair?’
Entendendo a dica, Eunice se encolheu. Mas não era como se pudesse sair de uma carruagem em movimento.
Sem poder retrucar, se afastou o máximo possível, até quase colar na janela oposta.
Aparentemente satisfeito, Johannes parou de acenar e, de repente, abriu a porta da carruagem em movimento.
— …!
Eunice quase gritou novamente.
Uma rajada de vento e ruído encheu o interior. Seu vestido voou violentamente.
Cobriu a boca com uma mão e se agarrou à parede com a outra, enquanto observava Johannes entrar calmamente na carruagem em movimento.
Um feito absurdo de habilidade, pular casualmente de um cavalo para um veículo em movimento como se não fosse nada.
Seja por admiração ou pânico, ela ficou paralisada enquanto ele fechava a porta com calma, devolvendo o silêncio ao interior.
— Por que estamos brincando de esconde-esconde esta manhã?
Ele perguntou, sem rodeios.
Eunice gaguejou, negando por instinto.
— Esconde-esconde?
— Você fugiu de mim.
— Fugi?
Ela havia olhado nos olhos dele ao sair da tenda, mas estavam bem distantes. Achou que poderia negar.
Mas Johannes não era tolo.
— Fugiu. Seu rosto diz tudo.
— É porque Vossa Majestade apareceu de um jeito tão estranho agora…
Suas palavras sumiram.
Tinha acabado de insinuar que ele era esquisito.
‘Será que ele ficaria ofendido?’
Ficou ansiosa sob o olhar silencioso dele. A maneira como o homem a encarava parecia dissecar cada centímetro de seu rosto. Sua pele formigou.
— Dormiu bem? Tentei deixar sua tenda confortável.
Houve bastante desconforto.
Mas explicar as necessidades de uma mulher num acampamento cheio de homens parecia impossível. Se reclamasse, talvez os cavaleiros começassem a ajudá-la, o que seria ainda pior.
— Graças a você, dormi bem.
— Sério? Você parece cansada.
— É que… não consegui me maquiar direito.
Sua vozinha diminuia a cada palavra.
‘Consegui passar um pouquinho… Será que não foi suficiente? Pareço tão feia assim?’
Seu olha caiu.
Então percebeu que Johannes havia ficado completamente em silêncio.
Olhou para cima e o viu piscando lentamente, como se processasse algo inacreditável.
— … Maquiagem?
— Sim.
Seu rosto queimava de vergonha. Os olhos afiados a examinaram mais de perto, e Eunice não aguentou mais. Cobriu o rosto com ambas as mãos.
Foi quando ele riu.
‘Pode rir. Vá enfrente, de risadas ‘
Ela já estava acostumada ao ridículo. Só queria que acabasse logo.
— Então foi por isso que fugiu?
Sua voz estava cheia de diversão. Ela resmungou, defensiva:
— As criadas que me ajudavam com a aparência voltaram com a escolta de Tranche ontem…
— Ah, droga, não pensei em trazer criadas.
— …
Eunice mordeu o lábio. Não era sua intenção dizer isso daquele jeito, mas se sentia tão pequena e patética.
De repente, sua mão grande segurou seus dois pulsos e os puxou gentilmente para baixo. Depois, outra mão levantou seu queixo.
— Hã!
Agora seu rosto sem maquiagem estava completamente exposto a ele.
Tentou se virar, mas seu toque era firme.
— Haha.
Ele soltou uma risadinha. Então, com uma voz como mel, disse:
— Você está linda.
— … O quê?
— Você não precisa de maquiagem. Sinceramente, nem vejo diferença.
— …
Eunice sentiu como se o rosto fosse explodir.
Queria desaparecer.
Tentou virar o rosto de novo, e dessa vez, ele a soltou.
Mordendo o lábio, mexeu em sua saia. Então, ouviu-o murmurar ao seu lado:
— Isso está me deixando louco.
‘O quê? O que isso significa?’
Queria chorar. Seu coração batia forte e seu rosto queimava, estava atordoada.
E então, o homem que a deixava tão desconcertada lançou outra bomba:
— Se precisar de ajuda para se arrumar, é só me chamar.
— Não! Isso não é possível!
Pedir ao rei para ajudá-la a se vestir? Ele estava louco?
Mas Johannes apenas insistiu:
— Então em que eu ajudo? O vestido?
— Não!
Sua voz alterou involuntariamente. Em pânico, agarrou qualquer coisa ao lado, ‘ah, uma escova.’
— Meu… cabelo.
Ela o entregou de forma rígida.
— Só penteie meu cabelo. Isso será o bastante.
— …
Johannes olhou para a escova.
Então riu novamente, seus olhos gélidos suavizando em um sorriso.
— Tudo bem. Me dê aqui.
Pegou a escova e guiou Eunice gentilmente para sentar de costas para ele.
Ela prendeu a respiração.
Suas mãos ásperas, estranhas, mas gentis tocaram seu cabelo. Cada fio parecia ganhar vida. Seu coração palpitava como se estivesse leve como penas.
Então —
— Ai!
Quando passou a escova para baixo, sua cabeça puxou para trás. Um nó doloroso havia travado.
Ela olhou feio para trás, furiosa, e Johannes se encolheu.
— Desculpa. É minha primeira vez fazendo isso…
Continua…
Tradução Elisa Erzet