No Fim do Inverno - Capítulo 06
Você me reconhece?
Click.
A porta da carruagem se abriu, Eunice saiu de seus pensamentos. O homem que havia desmontado graciosamente do cavalo branco abriu a porta de maneira um pouco brusca.
Ele estendeu a mão enluvada, talvez tentando ser cortês.
Eunice observou a grande mão por um momento antes de colocar cuidadosamente a sua sobre ela. Ao descer e levantar a cabeça em um único movimento fluido, seus olhos se encontraram.
Na atmosfera densa e silenciosa, seus olhares se prenderam.
‘Ah… mas por que ele está me encarando assim?’
A mirada penetrante, como se examinasse cada detalhe do seu rosto, e o azul de seus olhos levemente trêmulos tornava difícil respirar. Incapaz de suportar mais, Eunice virou o rosto.
Ela nem percebeu quão breve havia sido o contato visual.
— Você é… Vossa Majestade, o Rei de Nordisch?
As palavras escaparam antes que ela pudesse pensar. Eram fruto do desconforto e da estranheza. Em retrospecto, provavelmente soaram ridículas.
— Ah, eu…
Era impossível que o próprio rei tivesse vindo até ali, a Terra da Morte, ainda por cima.
— É… a impressão que você passa…
Eunice tentou se corrigir de alguma forma, mas o olhar curioso do homem a silenciou. Ela viu sua garganta se mover, engolindo seco.
— … Você me reconhece?
— … Perdão?
Que tipo de pergunta era aquela?
Parecia que ambos haviam feito perguntas estranhas. Eunice tentou decifrar o que ele quis dizer.
Estaria perguntando se ela sabia que ele era o rei? Então… esse homem era mesmo Johannes Reinhardt?
— Sua roupa… e a aura que você emana.
— Aura?
— Aquela… imponência régia e nobre que só Vossa Majestade poderia ter…
‘Meu Deus, o que eu estou dizendo?’
Eunice fechou os olhos e calou-se. Estava tagarelando de nervosismo, e sentia sua primeira impressão indo por água abaixo.
Abrindo os olhos novamente, retirou delicadamente a mão da do acompanhante e levantou levemente a barra do vestido com ambas as mãos. Inclinou-se em uma reverência graciosa.
— Sou Eunice von Pavlone, do Reino de Tranche. É uma honra conhecê-lo, Vossa Majestade… Johannes Reinhardt, estou certa?
Ela olhou cautelosamente observando sua expressão paralisada. Talvez fosse apenas neutro, mas parecia gélida.
Era como se vislumbrasse o homem por trás dos rumores.
Seu rosto inexpressivo pertencia a alguém capaz de decapitar sem pestanejar. Mesmo imóvel, sua presença era aterrorizante.
Em vez de uma resposta, ele acenou com a cabeça, desinteressado.
Ainda assim, era algo. Eunice interpretou como confirmação da realidade que se firmava em sua pele, aquele era o homem com quem se casaria, e Nordisch a terra que agora chamaria de lar.
Era isso que significava se casar com um monstro temível. Irritar um homem poderoso e arrogante podia ser uma sentença de morte.
A parte absurda de tudo, mesmo naquele momento, ela não conseguia ignorar o quão avassaladoramente bonito ele era.
Talvez sua aparência fosse sua arma mais perigosa. Provavelmente aquela beleza hipnotizasse as pessoas enquanto ele silenciosamente decapitava inimigos e unificava Nordisch.
— Uma saudação bem formal, considerando que estamos no meio de um deserto.
Com o comentário seco de Johannes, o rosto de Eunice ficou vermelho.
Estava envergonhada. Sentia que havia tropeçando desde o início. Teria que se esforçar muito para se redimir. Enquanto se preocupava, Johannes lançou um olhar ao grupo de escolta de Tranche que a acompanhava.
— A partir daqui, como combinado, assumiremos a escolta.
Falando mais como uma ordem que um aviso, apontou para uma carruagem e mandou que ela entrasse. Então, sem esperar, virou-se e caminhou à frente.
Ele a ajudara a descer da carruagem com tanta cortesia, será que sua reverência formal o irritou de algum modo? Sua atitude havia mudado tão repentinamente.
Reprimindo a turbulência interior, Eunice seguiu para a carruagem entre os guardas de Nordisch, os olhos fixos em Johannes.
Nesse momento, um homem de cabelo vermelho, provavelmente um dos assistentes, se aproximou dele. Johannes lançou um olhar feroz, e o ruivo virou o cavalo sem dizer uma palavra.
Quão aterrorizante esse rei deveria ser para que seus subordinados recuassem com um único olhar?
Eunice entrou na carruagem que a levaria a um novo mundo, o coração pesado de apreensão.
🌸🌸🌸
O crepúsculo caiu sobre a vasta terra.
A comitiva real que seguia para o norte parou para montar acampamento. As tendas foram erguidas rapidamente, e os cavaleiros designados prepararam comida e ferveram água com destreza.
— Onde está Eunice?
Após inspecionar o acampamento, Johannes sentou-se próximo da fogueira e perguntou a Lowell.
— Mostrei a tenda dela. Deve estar descansando agora.
— Entendo.
Seguiu-se um breve silêncio.
Johannes fitou as chamas crepitantes. O fogo dançante refletia seus próprios pensamentos turbulentos.
‘Por que Tranche escolheu enviar Eunice?’
Era uma pergunta que nunca saíra de sua mente desde o dia em que a proposta de casamento chegara.
Eunice havia se oferecido voluntariamente, reconhecendo seu nome? Decidiu vir para Nordisch apenas com base no nome “Johannes Reinhardt”? E se fosse outro homem com o mesmo nome?
Sua mente fervilhava de especulações infinitas.
‘Deveria chamá-la de imprudente, ou corajosa?’
Não conseguia decidir. Seus pensamentos oscilavam entre extremos.
‘Ela me reconheceria? Sentiria algo familiar? Ou já teria me apagado completamente da memória?’
Ao se aproximar da carruagem de Tranche mais cedo, esses pensamentos o consumiam.
Então…
“Sou Eunice von Pavlone, do Reino de Tranche. É uma honra conhecê-lo, Vossa Majestade… Johannes Reinhardt, estou certa?”
“É uma honra” — ela disse. Como se fosse o primeiro encontro deles.
Era quase cômico, se não fosse tão patético. 🥹🥹
Ele entendia. Tempo suficiente havia passado para que uma garotinha se tornasse uma mulher deslumbrante. Era possível que ela simplesmente não o reconhecesse mais.
Mas ele a reconheceu imediatamente.
‘É mesmo a Eunice. Ela não mudou nada.’
Aquela menininha problemática, que invadiu sua vida, e desapareceu tão repentinamente.
— Ela pode simplesmente não se lembrar. Por que está expressão tão cabisbaixa?
Lowell tentou confortá-lo, e Johannes suspirou profundamente.
Era esperado. Racionalmente, compreendia. Mas ainda assim, doía mais do que esperava.🥹🥹
— Eu sabia que isso ia acontecer desde o dia em que você começou a sorrir feito um bobo.
‘… Esse desgraçado? Isso era para ser um consolo?’
Quando Johannes lançou um olhar afiado, Lowell revidou com um estalar de língua, olhos brilhando de diversão.
— E então, como está se sentindo, Majestade? De coração partido? Eu te avisei, mas você não quis me ouvir. Olha você agora.
— Continue falando e eu te acerto de novo.
— Se ao menos tivesse se preparado um pouco, não estaria doendo tanto–AI!
Um soco implacável ecoou no ar. Lowell se curvou, segurando a cabeça e tremendo.
‘Droga. Isso doeu. Ele precisa bater com tanta força toda vez?!’
— Ai, você–
Lowell levantou o rosto, pronto para reclamar, mas parou ao ver a expressão de Johannes.
Ele estava encarando algo com surpresa. Seguindo seu olhar, Lowell viu Eunice parada a distância, pálida, com um traço de medo no rosto.
‘O-Oh… não… Ela está se virando para ir embora?’
— Eunice, minha senhora!
Johannes levantou-se de um salto e chamou por ela. Eunice estremeceu e virou lentamente.
Ele gesticulou para que ela se aproximasse. Sua hesitação era óbvia, ela não queria.
Lowell se inclinou e sussurrou apenas alto o suficiente para Johannes ouvir:
— Viu? Eu disse para não me bater. Você assustou ela.
— … Cale a boca. Sério.
Johannes lançou-lhe um olhar mortal. Sem perceber que isso só deixava Eunice mais amedrontada.
— Sente-se.
Agora que ela estava próxima, ele indicou o lugar ao seu lado. Eunice encolheu os ombros e respondeu suavemente:
— Sim.
Mas sua voz tremia como a de um cordeirinho assustado.
Johannes ficou pasmo. Ela estava mesmo com tanto medo dele? O que ele havia feito?
Ela não o reconheceu, apunhalou seu coração duas vezes, e agora isso…
Cutucão.
Lowell o cutucou com o cotovelo. Johannes franziu a testa para ele.
Lowell articulou silenciosamente: ‘Relaxe o rosto.’ Sorria.
‘Ah! Certo.’
Sempre diziam que ele tinha um rosto frio, sua expressão neutra costumava ser confundida com um olhar ameaçador.
Percebendo o que Lowell queria dizer, Johannes o dispensou com a mão. Lowell, claramente se divertindo com o drama, foi embora a contragosto.
Deixando os dois a sós.
— Ahem.
Johannes pigarreou e voltou a se sentar. Eunice ocupou o lugar ao seu lado cuidadosamente. Pelo modo como o olhava de relance, era óbvio que estava tensa.
Relaxa o rosto. Sorria gentilmente.
Ele tentou ao máximo curvar os lábios em um sorriso suave e gentil.
Mas, por algum motivo, isso só piorou as coisas.
Os lábios de Eunice começaram a tremer.
Continua…
Tradução: Elisa Erzet