No Fim do Inverno - Capítulo 02
Isso é um insulto da sua parte.
Era uma história que até as crianças conheciam. Ao pensar em um boato comum no Sul, Eunice estremeceu involuntariamente.
— … Senhorita Eunice.
Uma voz firme atingiu seus tímpanos naquele momento. Quando ela mal conseguiu reunir seus pensamentos confusos, o olhar penetrante de Rockford entrou em foco.
— Sua Majestade está esperando por uma resposta.
— Perdão? Ah, sim…
Meu Deus! Ela não havia escutado uma única palavra.
Desconcertada, seus olhos se moveram nervosamente. O Rei Wilhelm II acenou gentilmente, como se dissesse que estava tudo bem, e repetiu com uma paciência rara:
— Perguntei se precisava de algo antes de partir para Nordisch.
Era uma pergunta protocolar.
Mesmo quando surgiram conversas sobre uma aliança matrimonial, quando o nome de Eunice foi mencionado como candidata e quando o casamento político foi finalizado, ela não sabia de nada.
Sua opinião jamais importou. E, como sempre, a resposta àquela pergunta já estava decidida.
— … Não preciso de nada.
Sentia como se tivesse um espinho preso na garganta.
Segundo os contadores de histórias e bardos das ruas, ela seria vendida a um homem cruel, praticamente um monstro.
Ela queria perguntar: Por que eu? De todas as filhas nobres de Tranche, por que tinha que ser ela?
Ah… Claro. A culpa era daquele maldito Príncipe Herdeiro Kallion.
Ao ver o olhar gélido de Lichena fixo nela, não havia espaço para dúvidas. A Princesa Herdeira e o Duque Dale haviam tramado aquilo. Seu pai aceitou, provavelmente sem resistência ou resposta.
Seu coração doía profundamente. Um pai que ignorava sua existência em silêncio toda a vida, era assim que ele a descartava, no final.
Pensou que, se trabalhasse duro, se administrasse bem a propriedade, ele não poderia se livrar dela. Não esperava ser uma filha amada, mas pelo menos ser necessária.
Para controlar suas emoções desmoronantes, ela fechou os olhos suavemente.
‘Tudo bem. A vida é amarga mesmo. Eu sobrevivi até agora. Eu vou encontrar um jeito de passar por isso também. Vai ficar tudo bem…’
— Quem ousa bloquear meu caminho?! Saiam da frente!
De repente, um tumulto irrompeu do lado de fora. Todos na sala se viraram em direção à porta. O rosto de Eunice se contorceu em desespero quando ela reconheceu a voz.
— Eu disse para anunciar minha chegada!
— Perdão, Alteza, Sua Majestade está em conversa importante com senhorita Pavlone, então…
— O que há para discutir com Eunice?! Pai! Pai!
Enquanto sua voz estrondosa ecoava, o Rei Wilhelm II levou a mão à testa e resmungou, com um tom metálico de frustração. Aquilo era uma humilhação em um novo nível.
Isso era o que ele ganhava por mimar seu único herdeiro, nascido quando ele já estava na casa dos quarenta. Estava tentando, tarde demais, endireitar o garoto, mas não era fácil.
— Eunice! Você deveria ter corrido para me ver assim que chegou a Melvorne…
Após invadir e empurrar os guardas, Kallion abriu a porta violentamente. Seu tom animado rapidamente desapareceu.
Seus olhos azul-marinho percorreram a sala desajeitadamente. Todos prenderam a respiração, esperando para ver como ele lidaria com a situação.
— Hã… Lichena, você também está aqui.
— Já que Vossa Alteza se importa tanto com a Senhorita Eunice, talvez eu deva ir para Nordisch no lugar dela.
A voz de Lichena não tinha um traço de calor. Seu olhar gélido poderia matar um homem no mesmo instante.
Eunice percebeu então que os olhares anteriores de Lichena pareciam quase afetuosos em comparação. Mas Kallion, alheio ao clima, perguntou com seu tom habitual de ignorância:
— O que quer dizer com ir? Eunice, ir para onde?
— …
Eunice ficou sem palavras.
Momentos antes, ela estava apavorada com a ideia de se casar com um monstro cruel e selvagem, mas agora, parecia que, se isso significasse não ver o rosto de Kallion nunca mais, ela poderia suportar qualquer coisa.
Sua voz saiu sombria e pesada:
— Um pedido de casamento com o rei de Nordisch foi arranjado. Eu devo partir para lá.
— … O quê? Pedido de casamento?
A cor desapareceu do rosto de Kallion. Incapaz de assistir por mais tempo, Wilhelm II falou com uma voz cortante de fúria:
— É pela aliança entre nossas duas nações.
Em outras palavras: Cale a boca e entenda a gravidade da situação. Mas Kallion, com a cabeça nas nuvens, recusou-se a cooperar.
— Isso é loucura!
— Ah…!
Quando Kallion agarrou seu pulso com força, Eunice soltou um grito. Os nobres presentes, o Rei Wilhelm II, Lichena, o duque Dale e até mesmo o duque Rockford, que normalmente nunca dava a mínima para Eunice, arregalaram os olhos em horror.
Mas ninguém estava mais chocado do que Eunice.
— Me solta, Alteza!
Ela lutou desesperadamente. Ouviu a voz de Wilhelm II ecoando atrás dela: — Aquele maldito garoto…!, mas isso foi tudo.
Indiferente à ira do Imperador, Kallion a arrastou para fora da sala.
— Espere, por favor! Pare, Alteza!
Eunice gritou, tentando desesperadamente não pisar em seu vestido. Infelizmente, Kallion não tinha nenhuma consideração com a situação de uma dama delicada.
— Aí!
Só quando ela tropeçou na barra do vestido e caiu é que ele parou.
— Eunice!
Ele se virou e correu até ela, levantando seu vestido até os joelhos.
— Alteza!
Eunice gritou, o rosto corado de humilhação. Em plena luz do dia, no meio do palácio, que comportamento indecente!
Mas esse era o jeito de Kallion. Apenas seus sentimentos, pensamentos e desejos importavam.
— Seus lindos joelhos estão arranhados.
— Eu estou bem. Por favor, apenas pare…
— Eunice, uma mulher bonita como você deveria cuidar do seu corpo. 🤦🏻♀️
— Eu caí por sua causa.
Quando ela rebateu, seu olhar finalmente se moveu dos joelhos para o rosto dela, mas não por preocupação.
‘Mesmo franzindo a testa, ela é linda.’
Kallion gostava de vê-la constrangida.
Corando de vergonha, fervendo de raiva, sobrecarregada, a beira das lágrimas… ele gostava de ver que ela reagia a ele. 😒
Havia algo excitante em controlar uma mulher tão graciosa e bem-educada.
Mas casamento?
— Você vai se casar com o Rei de Nordisch? Foi sua escolha?
— Minha opinião não importa. Eu sigo a ordem real.
Abaixando a saia do vestido, Eunice se levantou. Kallion a acompanhou.
— O quê? Então está sendo forçada a ir para aquela terra desolada? Você terá que cruzar a Terra da Morte!
— Isso é coisa do passado. Aquela terra já foi colonizada.
— Besteira. Milhares morreram tentando atravessar aquilo para o sul.
— Isso é história antiga. Nordisch está unificado agora, e os filhos da morte se foram.
Quando se tratava de Nordisch, Eunice sabia cem vezes mais do que Kallion. A fronteira norte do ducado Pavlone tocava a Terra da Morte, afinal.
Ela até havia conhecido alguns dos chamados “filhos da morte”, sobreviventes do Norte que conseguiram atravessar. Havia um abrigo em Saint Laurent só para eles.
— Não ouviu os rumores?
Claro, ele tinha que cutucar a pior parte.
— Dizem que ele é selvagem e cruel. Quem sabe o que fará com você!
— Por favor, pare…
— Ele vai te espancar, te tratar como lixo. Em vez de casar com ele, por que não se torna minha?
— Isso é um insulto da sua parte.
Sua voz tremia de raiva e vergonha.
— O que tem de insulto? Estou dizendo que vou te tratar bem. Dúvida da minha sinceridade? Eu falo sério. Eu te abraçaria mais do que a Lichena.
— Alteza! Como pode dizer isso…!
— Sou o Príncipe Herdeiro. Se eu te valorizo, qual o problema?
— Você realmente não sabe qual é o problema?
Eunice olhou para ele, seus olhos cheios de frustração. Infelizmente, Kallion realmente parecia não entender.
— Vamos esquecer as coisas complicadas!
Ele gritou impulsivamente e segurou os ombros de Eunice. Seu aperto forte a imobilizou. Inclinando-se, pressionou-a com uma intensidade que a deixou assustada, humilhada e furiosa.
Começou a sussurrar com um tom baixo e coercitivo:
— Se você for para Nordisch, nunca mais vou te ver. Esse é o problema. Saint Laurent sem você não faz sentido. Então apenas diga que não vai. Fique comigo.
— …
— Não, não. Se for muito difícil ou assustador dizer isso a Sua Majestade, eu digo por você. Apenas fique aqui. Vou parar tudo, e te proteger daquela terra cruel…
— Isso seria um problema.
Uma nova voz interrompeu naquele momento.
Kallion se assustou e virou a cabeça. Eunice também virou em direção à voz.
Encostada em uma coluna de mármore, ninguém sabia quando havia chegado, lá estava Lichena. Ela caminhou lentamente, como se a cena patética diante dela a tivesse entretido o suficiente, se aproximou dos dois com o som firme de seus saltos.
Seu olhar, afiado o suficiente para matar alguém, estava fixo em ambos.
Continua…
Tradução Elisa Erzet