O Gatinho que Chora Todas as Noites - Capítulo 12
Katie enrijeceu, lançando um olhar furtivo para Helion. O império não tinha nenhum homem-fera entre seu povo. Se sua verdadeira natureza fosse revelada, sua identidade como espiã do reino também estaria comprometida.
Mas a expressão dele era casual demais. Seu olhar lânguido não parecia o de alguém examinando um inimigo, era mais parecido com o jeito de olhar para um animal de estimação querido.
— Vossa Alteza, você não deveria chamar as pessoas de gatinha.
Keith só relaxou após ouvir a voz rígida de Cheche se intrometer.
— Por que não? Ela parece um gato, não importa como eu veja. Esses olhos, estreitados e irritadiços, me encarando. O jeito como seu pelo se eriça como se estivesse em guarda no momento em que eu digo qualquer coisa.
— Desde quando Katie olhou para Vossa Alteza com raiva? Isso seria um crime de desrespeito à família imperial—
Cheche calou abruptamente a boca depois de realmente olhar para o rosto de Katie. O jeito como seus olhos eram afiados e puxados era inegavelmente um olhar de desdém.
— Não se preocupe. Essa é só minha expressão habitual.
— Ah, entendi. Então aquele olhar que você me deu antes também não significava nada?
— Aquele foi porque eu realmente não queria segui-lo. Pensei que estava sendo rebaixada… quero dizer, foi tudo muito repentino.
Um espião não deve revelar suas emoções facilmente. A melhor abordagem era manter uma expressão neutra, mas Katie a substituiu por um olhar hostil. Essa expressão, por acaso, era a mais eficaz para mascarar sua hostilidade em relação ao povo do império.
— Vou entregar este assassino aos guardas e já volto.
Katie redirecionou suavemente a conversa. Felizmente, nenhum dos dois pareceu questionar sua força. Nesse caso, era melhor fazer uma saída rápida antes que se aprofundassem.
Mas justamente quando ela estava prestes a sair pela porta, a voz de Helion a fez parar.
— Katie. Você já matou alguém antes?
— … Não, nunca.
A verdade era que ela já havia. Seu treinamento de espiã no reino incluía assassinatos. Mas a pessoa que Katie mantinha era a de uma cavaleira imperial comum que havia se alistado após a guerra. Como alguém que nunca viu uma batalha, ela não deveria ter qualquer experiência em tirar vidas.
— Então considere isso sua primeira oportunidade. Não há necessidade de entregá-lo aos guardas e favorecer meus inimigos.
Helion falou calmamente enquanto levantava a caneta.
Isso significa… que os guardas estão aliados com quem enviou esse assassino?
Como sempre, Katie engoliu suas perguntas. Questionar não era função do subordinado. Quando uma ordem vinha, tudo o que tinha que fazer era obedecer.
— Entendido.
— Certifique-se de que ele respire pela última vez.
Helion assinou um documento, movendo sua caneta pelo papel. Sua postura era assustadoramente serena — completamente dissonante com o fato de que ele havia acabado de ordenar a morte de um homem.
Mesmo depois que o assassino semelhante a um esquilo voador foi neutralizado, mais dois conseguiram se infiltrar no escritório de Helion. Um já era chocante, mas múltiplos? Katie não conseguia esconder sua perplexidade.
‘O reino enviou esses assassinos?’
O pensamento passou por sua mente por um momento desesperado.
Mas o reino não tinha motivo para correr tal risco.
O propósito de espiões como Katie se infiltrando no império não era assassinar líderes inimigos. Era monitorar movimentos militares e evitar que outra guerra eclodisse.
O império e o reino mantinham um cessar-fogo precário. Matar um príncipe nessa situação só reacenderia as chamas da guerra.
Era também por isso que ela havia se esforçado tanto para evitar enfrentar Helion novamente.
Se matar fosse o objetivo, teria sido mais fácil. Mas encarar um inimigo que ela não podia matar, controlar suas emoções naquela situação teria sido difícil demais.
No entanto, agora que ela realmente fazia parte da guarda de Helion, percebeu que aquelas preocupações eram inúteis. Não havia tempo para se afundar em sentimentos pessoais. Assassinos vinham implacavelmente, obrigando-a a permanecer alerta o dia todo, todos os dias.
— Uau. É assim que dão boas-vindas ao novo recruta? Estão especialmente persistentes hoje, — comentou Cheche, guardando a espada após derrubar outro assassino.
Helion assinou o último documento em sua mesa e fechou o registro.
— Bem, pelo menos sua iniciação foi completa. Então, Katie, o que acha, está gostando do seu novo posto?
Katie balançou a cabeça com sua expressão habitual estoica. Ela nem tinha tido o luxo de decidir se gostava ou não, estava ocupada demais, entrando em pânico e eliminar inimigos.
— Ainda não tenho certeza. É tudo um pouco avassalador.
— O que é?
— A menos que a guarda do palácio tenha desmoronado completamente, não entendo como tantos inimigos conseguiram entrar.
O palácio de Helion estava situado na extremidade mais a oeste dos domínios imperiais. Seu nome, Palácio do Crepúsculo, combinava com sua localização, onde o sol se põe.
Mas aquele mesmo nome e posição também refletiam sua posição diminuída dentro da família imperial. Num império que adorava Solaris, o deus sol, como sua única divindade, o “pôr do sol” não carregava significado favorável.
— Ainda assim, o Palácio do Crepúsculo faz parte do palácio imperial. Estando nos terrenos reais, sua segurança nunca deveria ser negligenciada.
— Parece que você não entendeu completamente o que eu disse mais cedo, — comentou Helion, observando a expressão desnorteada de Katie. — Os guardas estão perfeitamente bem. É exatamente por isso que eles deixam os assassinos passarem.
Cheche acrescentou gentilmente, percebendo sua confusão:
— Você entenderá naturalmente conforme passar mais tempo aqui. Não precisa entender tudo no seu primeiro dia.
Katie apertou levemente a empunhadura de sua espada. As implicações eram claras, a podridão do império era profunda, e até mesmo a guarda do palácio servia a uma agenda de alguém.
Helion levantou-se de sua mesa, a luz moribunda do sol projetando longas sombras em seu rosto.
— Considere esta sua primeira lição, gatinha. Neste palácio, as facas vêm de todas as direções, especialmente daquelas que você não vê chegando.
O peso de suas palavras pairou sobre a sala enquanto outra rajada de vento chocalhou a janela quebrada. Em algum lugar além dos muros do palácio, o sol mergulhou abaixo do horizonte, lançando o Palácio do Crepúsculo em sua penumbra homônima.
Helion ergueu a mão e tocou o pequeno sino colocado sobre a mesa.
Logo, a porta se abriu e servos entraram. Enquanto dois carregavam o corpo do assassino para fora, outro colocou uma bandeja de café e petiscos diante de Helion.
‘Que fartura luxuosa.’
Katie conteve uma risada silenciosa ao olhar os aperitivos bem apresentados.
A guerra prolongada trouxe pobreza sem precedentes para o reino. Claro, a fome existia mesmo antes, mas as pessoas viveram na esperança de que a “economia compartilhada” proclamada pelo grande líder um dia os traria prosperidade.
Enquanto mantivessem essa crença, sua fome imediata era suportável. Afinal, o Estado fornecia sopa periodicamente para os cidadãos empobrecidos.
Enquanto mantivessem essa crença, sua fome imediata era suportável. Afinal, o estado fornecia periodicamente sopa para os cidadãos empobrecidos.
Mas a guerra arruinou tudo. Com menos pessoas aptas a trabalhar, a economia da nação declinou rapidamente. Como todos estavam compartilhando a carga de trabalho do estado, a mão de obra reduzida significava que os cidadãos restantes tinham que assumir as partes dos trabalhadores faltantes também.
À medida que a guerra sobrecarregava a nação, os alimentos racionados diminuíam ainda mais, enquanto o trabalho exigido aumentava. Era natural que a raiva do povo aumentasse.
A vida tornou-se tão dura que muitos no reino nem sabiam da existência de aperitivos. Quando nem uma folha de grama havia para colocar na boca, de que servia a sobremesa?
No entanto, aqui estava o próprio instigador daquela guerra, calmamente apreciando café, aperitivos e sobremesas depois de sobreviver a uma tentativa de assassinato.
Do ponto de vista de Katie, era uma cena tão irritante que doía nos ossos.
— Quer um pouco?
Teria ele confundido seu olhar irritado com outra coisa? Helion ergueu uma sobrancelha e estendeu uma xícara de café em sua direção.
— Não.
Katie recusou imediatamente. Era o tipo de alimento de alta classe que apenas os hipócritas do império consumiam. Não havia motivo para desejá-lo.
Além disso, querer algo exigia saber o que era em primeiro lugar. Como ela poderia ansiar por um sabor que nunca experimentou?
Ainda assim, Helion não retirou a mão estendida. Ele balançou meramente a xícara levemente, como se a instigasse a pegá-la.
— Você não recusa o que eu ofereço.
— … Entendido.
Katie rangeu os dentes diante da cansativa etiqueta imperial, mas aceitou relutantemente a xícara. Entretanto, a expressão de Cheche ao seu lado ficou sombria.
— Vossa Alteza, tem certeza sobre isso?
— Há algum motivo para não estar?
Helion recostou-se profundamente em sua cadeira, seu olhar fixo na xícara na mão de Katie. Inclinou a cabeça levemente, como se a instigasse a beber.
Katie levou a xícara aos lábios. Os olhos de Helion, travados nela, seguiram seu caminho com uma intensidade perturbadora.
No momento em que a borda tocou seus lábios, Helion desabotoou mais um botão de sua camisa já meio aberta. A língua se moveu para umedecer os próprios lábios enquanto encarava os dela, sem piscar.
‘Por que ele está me olhando assim?’
Onde seu olhar pousava, seus lábios formigavam, exatamente como naquela noite em seu quarto. A súbita lembrança fez sua boca mexer. Percebendo o leve movimento, os lábios de Helion se curvaram suavemente.
Afff. Katie sentiu como se ele tivesse lido seus pensamentos e estivesse zombando dela. Para esconder seu rosto, ela enterrou o nariz profundamente na xícara de café.
Então—
Um cheiro estranho e desconhecido roçou suas narinas.
Fareja. Fareja.
Esquecendo seu desconforto anterior, Katie se concentrou no cheiro. Os sentidos de um homem-fera eram aguçados, e os dela eram excepcionais. Em meio ao aroma estrangeiro dos grãos de café, ela detectou algo familiar.
‘Bagas Acto.’
Bagas de Acto eram um veneno nativo apenas do reino. Uma planta rara, ela as encontrou pela primeira vez durante seu treinamento de espiã.
Elas faziam o sangue coagular. Sem circulação, os humanos morriam — rapidamente dentro de horas, ou no máximo, dois dias. Um veneno aterrorizante
‘Quem faria isso?’
Um calafrio percorreu sua espinha, e sua empunhadura se apertou.
Se Helion tivesse bebido isso — se algo tivesse acontecido com ele —
A suspeita apontaria em apenas uma direção: o reino. As bagas Acto não cresciam em outro lugar.
E então, a guerra recomeçaria. Assim como nos anos de pesadelo anteriores, inúmeras vidas seriam perdidas.
— Vossa Alteza, o senhor não deve beber este café.
Katie inclinou a xícara e derramou o café no chão. Uma mancha marrom-escura se espalhou pelo carpete branco, mas ela não deu a mínima. O carpete já estava arruinado pelo sangue do intruso anterior, uma mancha a mais não faria diferença.
O que a preocupava era a reação de Helion e Cheche.
‘O que devo dizer se eles perguntarem por que eu derramei?’
Ela não podia mencionar as bagas Acto. Mesmo que Helion não as tivesse ingerido, isso não absolveria o crime. Se o império descobrisse que o reino tentara envenenar seu príncipe novamente, seria o caos total.
Mas em vez do interrogatório que ela esperava, o que alcançou Katie, ainda incapaz de levantar a cabeça — foi uma salva de aplausos inesperada.
— Parabéns, Katie. Você sobreviveu há mais um dia.
— … O quê?
Cheche avançou e tirou a xícara de sua mão. Pressionando o nariz nela, ele farejou profundamente, assim como ela havia feito momentos atrás.
— Desconfiei quando vi um servo desconhecido trazendo, mas claro, bagas Acto novamente. Realmente, o príncipe Damian não tem criatividade.
Bagas Acto tinham um cheiro fraco, tornando difícil para pessoas comuns detectar. Mas isso só para padrões comuns. Para Helion e Cheche, que enfrentavam tentativas de assassinato diariamente, reconhecer o cheiro era moleza.
— Aqueles que continuam enviando o mesmo veneno, não são mais criativos, — comentou Helion secamente.
— Ainda assim, isso é demais. E se a Katie tivesse realmente bebido o café?— Cheche retrucou.
Helion não respondeu. Mas tanto Cheche quanto Katie puderam adivinhar as palavras não ditas:
‘Mesmo se ela tivesse, não faria diferença.’
Continua…
Tradução: Elisa Erzet