O Marido Malvado - Capítulo 92
Cesare abriu a redoma de vidro, expondo a relíquia ao ar externo pela primeira vez em séculos. Era um movimento arriscado, pois expor o artefato poderia danificá-lo de forma irreversível.
Ainda assim, ele prosseguiu sem hesitação, confiante de que a relíquia resistiria à exposição.
Ele ergueu a pena à luz da lua. Sua superfície dourada ainda brilhava, irradiando um leve resplendor como se estivesse polvilhada com pó de ouro, cintilando como uma estrela a cada toque do luar.
Parecia exatamente como quando ele a ofereceu como sacrifício queimado para voltar no tempo.
Ao recordar as manchas de sangue que um dia macularam a pena, Cesare levantou lentamente o olhar para a lua pálida, banhada por sua luz nobre.
‘Deus existe?’
Talvez Cesare fosse singularmente qualificado para responder a essa pergunta. Afinal, ele havia entrado em contato com algo que poderia ser descrito como divino.
Na verdade, pouco importava se aquilo que ele encontrara era Deus ou outra coisa, algo muito mais profano. Para Cesare, apenas o resultado importava.
Embora não pudesse mais voltar no tempo, ele continuava a reunir vestígios do passado.
Seu propósito era impedir que qualquer outra pessoa interferisse no tempo.
Dadas as provações dolorosas que havia enfrentado, era improvável que qualquer outro ser humano alcançasse o mesmo êxito que ele. Isso não era arrogância, mas uma verdade objetiva.
Mesmo assim, Cesare não queria deixar nenhuma possibilidade em aberto, por menor que fosse. Ele sempre fez suas jogadas baseado no futuro sem sua existência.
Porque isso seria concluído com sua morte.
Por hábito, Cesare tirou o relógio do bolso. Os ponteiros avançavam com firmeza, sem jamais hesitar. Ele observou por um longo momento o relógio de platina liso e imaculado, antes de guardá-lo novamente no bolso.
Ainda havia muito a ser feito.
🌸🌸🌸
Eileen acordou cedo, sentindo um arrepio de frio. Ao que tudo indicava, Cesare não havia entrado no quarto na noite anterior. A roupa de cama permanecia intocada, sem qualquer sinal de que ele tivesse descansado ali, nem por um instante.
Distraidamente, ela passou a mão sobre o travesseiro grosso, desejando poder vê-lo. Então, com uma determinação resoluta, saiu da cama para começar o dia.
O dia prometia ser excepcionalmente agitado. Ela tinha um almoço marcado com os professores e Lucio, além de precisar finalizar e enviar os primeiros convites para o chá da Arquiduquesa Erzet.
Quanto à sua pesquisa, decidiu deixar Morpheus temporariamente de lado e focar em revisar o processo de fabricação para determinar se o remédio para dor de cabeça poderia ser produzido em massa. Também precisava criar um nome para o remédio, que até agora vinha chamando simplesmente de “analgésico”.
Enquanto tomava o café da manhã na sala de jantar, pegou uma revista que estava sobre a mesa. Uma única frase de um artigo em um jornal próximo chamou sua atenção.
[… A tentativa de atingir a Arquiduquesa Erzet fracassou.]
Assustada com a menção à Arquiduquesa, Eileen pousou a revista e pegou rapidamente o jornal. Era o La Verita.
Ela leu o artigo incrédula, os olhos percorrendo as palavras repetidas vezes. Mas, por mais que lesse, o texto impresso permanecia o mesmo.
A reportagem detalhava uma tentativa de roubo cometida por um hóspede que estava hospedado na residência da Arquiduquesa na noite anterior. O ladrão foi capturado ao tentar furtar materiais de pesquisa pertencentes à Arquiduquesa. O artigo explicava que o criminoso cobiçava suas pesquisas e seguia descrevendo sua identidade e sua relação com ela.
[Entretanto, este incidente destacou o conhecimento excepcional da Arquiduquesa Erzet, despertando grande interesse público.
Ela cursou farmacologia e botânica na Universidade de Palercia. Embora tenha sido forçada a se retirar devido a dificuldades financeiras, era uma prodígio notável que ficou em primeiro lugar em sua classe durante todo o seu tempo na universidade, apesar de sua juventude. De fato, artigos científicos com seu nome foram publicados em renomadas revistas acadêmicas, e…]
Junto com a história do ladrão, o artigo também destacava a excelência da Arquiduquesa em farmacologia e botânica. Ela olhou fixamente para o relato detalhado, que chegava a mencionar seus pratos favoritos da época da universidade, antes de finalmente sair do transe. Com uma expressão chocada, Eileen murmurou para si mesma.
— Sênior Lucio…
Eles realmente tinham pego Lucio tentando roubar do laboratório enquanto ela dormia?
As imagens de Lucio diante de um pelotão de fuzilamento passaram por sua mente. A ideia de que alguém com quem ela havia jantado e conversado no dia anterior talvez já não estivesse mais vivo fez um calafrio atravessar seu coração.
Tudo isso acontecera enquanto ela dormia, alheia a tudo. E agora, já estava no jornal matinal. La Verita devia ter preparado a matéria com antecedência, não havia como ter sido publicado tão rápido de outra forma.
Ela perdeu o apetite e não conseguiu tocar na comida, mantendo o olhar fixo apenas no jornal. Folheou todas as revistas e jornais sobre a mesa, mas apenas o La Verita havia noticiado o incidente na residência da Arquiduquesa.
‘Cesare deve ter avisado o jornal com antecedência.’
O La Verita era um jornal que operava de acordo com os desejos de Cesare. Ele lhes concedera inúmeros favores, incluindo acesso exclusivo às fotos do casamento do casal arquiducal, moldando efetivamente o jornal à sua vontade.
Ficava claro que Cesare não pretendia apenas eliminar Lucio, mas também divulgar a competência de Eileen em farmacologia e botânica. Isso parecia fazer parte de uma preparação estratégica para o futuro lançamento do analgésico e de Morpheu ao público. Introduzir essas inovações gradualmente, em vez de tudo de uma vez, era uma jogada astuta.
Cesare havia punido o culpado e, ao mesmo tempo, tirado proveito da situação. Saber disso não tornava mais fácil suportar a emoção avassaladora que tomava conta de Eileen.
‘Enquanto eu não sabia de nada…’
Esse pensamento ecoou incessantemente em sua mente. Ela subitamente se sentiu sufocada e respirou fundo, embora a opressão no peito persistisse não importando o quão profundamente respirasse.
Apesar de seu novo status como arquiduquesa, nada havia mudado de fato. Eileen não era igual a Cesare, era meramente uma peça em seu tabuleiro de xadrez. Não importava o quão poderosa fosse a rainha, se se tornasse inútil, seria descartada.
‘Mas sou mesmo uma rainha?’
Talvez não passasse de um peão insignificante. O mais irrelevante de todos…
Eileen fechou os olhos com força, obrigando-se a afastar os pensamentos negativos. Lutava para dissipar aquela escuridão quando seus esforços foram interrompidos pela chegada de um criado anunciando uma visita.
— O senhor Senon chegou. Diz estar aqui para entregar algo em nome de Sua Graça.
Era excepcionalmente cedo para receber visitas, mas parecia que Cesare havia combinado aquilo. A perspectiva de companhia foi um alívio diante de sua reflexão solitária. Com um leve tom de urgência na voz, Eileen ordenou que deixassem Senon entrar.
— Vossa Graça ! Bom dia! Você está radiante como sempre.
Senon entrou na sala de jantar com um largo sorriso, colocando um grande buquê de flores e uma redoma de vidro sobre a mesa de Eileen.
— São presentes de Sua Graça.
O aroma refrescante das flores ajudou Eileen a voltar aos sentidos. Ela estendeu a mão para tocar suavemente as pétalas antes de voltar sua atenção para a redoma de vidro.
Dentro do estojo elegante, de aparência antiga, havia uma grande pena dourada. Embora não soubesse seu significado, a beleza requintada indicava que se tratava de algo extremamente valioso.
— Sua Graça também mencionou que deseja comercializar o medicamento que você desenvolveu, então trouxe os documentos legais correspondentes…
O olhar de Eileen permaneceu fixo na pena dourada quando ela perguntou subitamente :
— Ele foi executado?
Era uma pergunta abrupta, não provocada pela apresentação de Senon, mas ele respondeu sem hesitar.
— Ainda não.
Senon observou Eileen atentamente, percebendo o esforço contido para manter uma expressão neutra.
— Você deseja que ele viva? — perguntou, como se apenas as palavras dela pudessem decidir o destino.
— Não, não é isso…
O peso em sua voz era difícil de esconder. Eileen olhou diretamente para Senon, que piscou rapidamente sob seu olhar intenso. Finalmente, ela admitiu o fardo que carregava.
— É só que eu não sei de nada… Perguntei porque queria saber.
Continua…
Tradução: Elisa Erzet