O Marido Malvado - Capítulo 80
Cesare permaneceu imóvel no centro da taverna, a faca ensanguentada pesava em sua mão. Ele havia acabado de tirar a vida de dezenas de homens — civis, algo inédito para ele. Como comandante-chefe do Exército Imperial, aquilo era um ato sem precedentes… e imperdoável.
Pelas leis do império, os homens na taverna eram, tecnicamente, inocentes. Nenhuma lei havia sido violada ao profanar o corpo de um criminoso executado, por mais repugnante que tivesse sido o comportamento deles. Ainda assim, a dimensão de seus atos recaiu sobre ele com força esmagadora.
Mas os matou mesmo assim. Cortou suas gargantas, se banhou de seu sangue e, no entanto, o peso sufocante em seu peito não havia diminuído. Na verdade, a sensação apertava ainda mais, como se o ar estivesse sendo arrancado de seus pulmões.
A garota que ele amava, sua tão preciosa Eileen, foi decapitada na guilhotina. Sua forma outrora linda, agora exibida de maneira macabra, não passava de um troféu grotesco para o divertimento perverso de outros.
Só depois de massacrar dezenas daqueles canalhas pervertidos foi que Cesare finalmente compreendeu o que realmente desejava. Não era o Império Traon que quisera proteger. Sua coroa de louros sempre fora destinada a Eileen — e a mais ninguém.
Mas Eileen já não existia mais neste mundo.
O peso completo dessa verdade atingiu o homem como um golpe físico. A sensação de se despedaçar por dentro não era apenas raiva, e sim uma intensidade de emoção que jamais experimentara antes.
Para alguém como Cesare, que sempre mantivera um distanciamento emocional quase incolor, essa profunda agonia era insuportável. Olhou para suas mãos ensanguentadas e pensou:
‘Quem eu preciso matar para que essa dor pare?’
Mas nem mesmo sua mente outrora brilhante conseguiu elaborar uma resposta. Tudo o que havia diante dele era um abismo sem fim.
— …
Aos poucos, Cesare se arrancou das lembranças confusas. Passou a mão pelo rosto, se forçando a recompor os fragmentos dispersos de seus pensamentos. Trabalhou para separar a realidade da ilusão, alinhando com cuidado as fissuras de sua mente estraçalhada.
O som insistente da chuva martelava em seus ouvidos, irritando-o como uma coceira persistente. A vontade de se cortar, fosse com uma faca, uma arma, qualquer coisa afiada o suficiente, surgiu novamente dentro dele.
Mas esta era a realidade — o mundo onde Eileen ainda existia. Já havia cometido um ato imperdoável, se fizesse algo mais, Eileen seria incapaz de suportar.
Reprimindo o impulso inútil, Cesare se aproximou dela. Eileen estava deitada na cama, parecendo mais frágil do que nunca. Seu rostinho estava pálido, quase cadavérico. Cesare a encarou por um longo momento antes de se inclinar, seu rosto pairando próximo ao dela.
Ele ouviu sua respiração por um tempo, então deslizou lentamente com as pontas dos dedos a atadura enrolada em seu pescoço. Um sorriso autodepreciativo surgiu em seus lábios ao imaginar a marca de sua mão provavelmente gravada sob a atadura.
— É absurdo, Eileen.
Sua mão tremia ao roçar o tecido branco. Ele murmurou, desamparado, para a mulher que não podia ouvi-lo:
— Eu quase te matei com minhas próprias mãos.
Ele havia suportado tanta dor para trazer Eileen de volta, apenas para quase destruir tudo. Acreditou que estava lidando bem com sua condição, mas sua incapacidade de distinguir entre ilusão e realidade revelou o quanto havia afundado. Precisava pôr fim àquilo antes de desmoronar completamente.
— Eileen…
Cuidadosamente, Cesare se deitou ao lado dela. Sabia muito bem que naquele momento ele era a maior ameaça para Eileen, mas não conseguia se afastar. Envolveu seu pequeno corpo em seus braços, apertando-a contra si.
— Eileen…
Essa noite, ele não dormiria.
Ao longo da longa noite sem sono, Cesare a vigiou, seus olhos nunca deixaram seu rostinho.
🌸🌸🌸
Eileen retornara em frangalhos, com uma bandagem envolvendo o pescoço. Ela não fazia ideia de como explicar aquilo a alguém. O pensamento do que diria à equipe do Grão-Ducado ou a Sonio pesava em sua mente.
Porém, ninguém perguntou o que aconteceu ou como ela se feriu. Parecia que Cesare já havia falado com eles antes.
Cesare…
Eileen suspirou e pousou a caneta-tinteiro. Quando acordou naquela manhã, Cesare já havia partido. Tinha tantas perguntas acumuladas dentro dela, esperando por ele.
No entanto, ao se ver diante dele, parecia que não conseguiria fazer nem uma delas. A lembrança das mãos dele apertando seu pescoço e das palavras que dissera enquanto o fazia a assombravam.
“Eu te amo.”
Eileen nunca entendera Cesare antes, mas agora se tornava ainda mais incompreensível. Sempre confiou que o homem tinha suas razões e esperou que ele revelasse suas intenções, mas…
‘Ele está sofrendo.’
Não conseguia parar de pensar em seus olhos carregados de dor e o modo como ele a encarara enquanto apertava sua garganta. A ideia dele se machucar novamente a aterrorizava.
‘E se acontecer de novo?’
Encontrar e eliminar a causa de seu sofrimento parecia a melhor solução. Mas como fazer o homem se abrir? Haveria outra maneira de compreender seu comportamento estranho? Enquanto ponderava sobre isso, uma voz suave interrompeu seus pensamentos.
— Minha senhora.
A voz gentil de Sonio trouxe Eileen de volta à realidade. Percebeu, sobressaltada, que estivera com a ponta da caneta parada sobre o papel por tempo demais, fazendo a tinta borrar a página. Rapidamente levantou a caneta, o rosto corando de culpa enquanto olhava para Sonio.
— Está tudo bem. Não era um documento importante.
Sonio substituiu calmamente a folha arruinada por uma nova. Eileen respirou fundo, se recompondo.
Graças ao árduo treinamento de Sonio, já conseguia lidar com a maior parte de suas obrigações. Ultimamente, Sonio só precisava ajudá-la com tarefas mais complexas ou revisar seu trabalho. Uma vez que melhorasse alguns pontos restantes, seria capaz de administrar tudo sozinha.
Eileen voltou a escrever, a ponta da caneta riscando levemente o papel. Desde que machucou a garganta e decidira permanecer em silêncio naquele dia, vinha se comunicando com Sonio por meio de bilhetes escritos.
[Por favor, dê uma olhada nisso.]
Entregou a ele um papel. Havia esquecido momentaneamente, absorvida pelos pensamentos sobre Cesare, mas precisava mostrar aquilo hoje para receber sua opinião.
Era um cronograma diário que elaborou para si, como Arquiduquesa. Além de suas obrigações oficiais, incluía tempo para suas pesquisas sobre Morpheu e para seu trabalho contínuo na farmácia. A agenda foi baseada em suas observações da rotina da casa desde que se mudou para a mansão.
Como era apenas uma ideia inicial, queria que Sonio revisasse e desse sugestões. Preparou três versões alternativas caso ele considerasse esta inadequada.
‘E se ele rejeitar todas?’
Eileen observou nervosamente enquanto Sonio lia a programação, tentando avaliar sua reação. Sua caneta estava posicionada, pronta para sua resposta.
[De manhã, eu lido com os deveres da Grã-Duquesa. Depois do almoço, faço minha pesquisa, e à noite, termino os deveres restantes. O que acha?]
Ela esperou ansiosamente. Finalmente, Sonio olhou para cima, seu rosto cheio de admiração.
— Eu disse que a senhora não precisava se preocupar com os deveres da Grã-Duquesa, mas…
Sua expressão era de orgulhosa aprovação, como um pai vendo seu filho alcançar algo notável. Eileen ficou um pouco envergonhada, recebendo tal elogio por algo que ela via como sua responsabilidade. Coçou a bochecha com a parte de trás da caneta, então escreveu de novamente:
[Eu também gostaria de contratar alguém para me ajudar.]
Sonio, o mordomo-chefe que gerenciava toda a mansão Erzet, treinou pessoalmente Eileen nas responsabilidades da Grã-Duquesa. Sua orientação foi essencial em sua rápida adaptação.
Mas, Eileen sabia que não podia depender de Sonio para sempre. Ele já estava ocupado supervisionando os assuntos de Cesare e administrando outras tarefas da casa. Era hora de aliviá-lo de suas responsabilidades.
Ela não suportava a ideia de desperdiçar os recursos de Cesare com ela.
Por algum motivo, Sonio hesitou. Não respondeu de imediato e, quando o fez, havia um toque de tristeza em sua voz.
— Se esse é o seu desejo, minha senhora, providenciarei os arranjos.
Seu tom carregava uma decepção e melancolia. Eileen foi pega de surpresa e rapidamente rabiscou outra nota.
[Eu gosto de trabalhar com o senhor, Sonio! Mas não pode passar todo o seu tempo gerindo meus assuntos.]
Apesar da tentativa de tranquilizá-lo, a expressão dele permaneceu cabisbaixa. Murmurou baixinho, a voz tingida de tristeza:
— A senhora está tirando a última alegria de um velho…
No final, Eileen não teve escolha a não ser prometer que continuaria a contar com ele. Depois de concluírem a discussão sobre o cronograma, ela passou ao próximo assunto, a caneta deslizando rapidamente pelo papel.
[Sonio…]
Hesitou por um momento antes de concluir:
[Cesare não está agindo como ele mesmo.]
Não havia necessidade de mais explicações — Sonio entenderia exatamente o que ela queria dizer.
Eileen mordeu o lábio, então tomou sua primeira decisão para exercer sua autoridade como Arquiduquesa.
[O senhor pode convocar os cavaleiros de Sua Graça?]
Continua…
Tradução: Elisa Erzet