No Jardim de Maio - Capítulo 01

Era ele. Embora o tivesse apenas vislumbrado de longe, uma centelha de reconhecimento acendeu dentro de Vanessa. Mesmo em meio a uma multidão, ela não poderia confundir aquela pessoa.
“Vanessa.”
A mera lembrança dele tingiu suas memórias reprimidas com cores e aromas vívidos: uma noite quente de verão, o ar úmido, o sopro morno de sua respiração, um jardim de rosas em plena floração… e aquela voz.
“Estive esperando por você.”
A respiração de Vanessa falhou. Seria uma alucinação, um fantasma nascido daquela noite? Ou talvez, uma lembrança cruel e indesejada, audaciosa o bastante para assombrá-la até mesmo em plena luz do dia? Não podia ser real. Como ele poderia estar ali? Eles estavam em guerra, e ele era um oficial nas fileiras inimigas…
— Você está bem?
Uma mão segurou o ombro de Vanessa quando ela cambaleou, perdida no turbilhão das recordações. Assustada, ela se afastou, encontrando o rosto preocupado de uma desconhecida.
— Você está pálida como um fantasma, senhorita. Trabalho no hospital ali adiante.
A mulher, vestida com um uniforme de enfermeira, falava com voz clara e firme. Vanessa puxou rapidamente o chapéu para baixo. Agora, até os transeuntes apressados lançavam olhares para elas.
— Estou bem. Obrigada.
— Não parece. Espere aqui, só um instante…
— Não. Preciso ir.
Será que o sotaque havia soado convincente? Já não importava mais. Vanessa se afastou apressadamente, acelerando o passo ao deixar a rua do mercado. Precisava voltar para casa. Antes de tudo, devia enviar uma carta ao Marquês de Winchester, confirmando os preparativos para a fuga de Amiens. Se isso não fosse possível, teria de garantir a segurança da criança primeiro…
— Ai!
O azar, como sempre, atacou duas vezes. Vanessa tropeçou em um paralelepípedo solto e caiu de cara no chão. O saco de papel que carregava rasgou, espalhando as compras pelas pedras sujas da rua.
Batatas, pão e a preciosa lata de leite em pó que havia conseguido comprar… rolou pela rua, até parar diante da bota polida de um oficial que se aproximava. O movimento frenético de Vanessa para recolher as batatas congelou.
Por quê? A visão daquelas botas impecáveis reacendeu memórias fantasmagóricas, transportando-a de volta aos jardins daquela estação passada. O perfume de sândalo, sua fragrância inconfundível, não poderia, de forma alguma, estar impregnado naquele beco imundo.
Vanessa manteve a cabeça baixa, incapaz de olhar para cima. Pelo canto do olho, viu ele se inclinar graciosamente, pegando a lata do chão. Um silêncio terrível desceu.
— Senhorita Vanessa.
Ele finalmente pronunciou seu nome, sua voz carregada de uma risada incrédula. — Ah! O momento em que a vaga premonição se solidifica na realidade é sempre tão surreal e estonteante. Ela finalmente se esforçou para olhar para cima. Lá estava ele, no fim do beco, banhado pela pálida luz do sol que filtrava através das frestas dos edifícios decadentes.
Theodore. Seu usurpador. Seu encantador traiçoeiro. O homem que ela deixara para trás naquele jardim há tanto tempo.
— Eu pensei… pensei que estivesse ficando louco.
Seus lábios vermelhos se curvaram em um sorriso torto. Sua pele estava um tom mais escura do que ela lembrava, seu físico imponente, preenchendo melhor o uniforme de oficial da marinha. Olhos, mais afiados, suas maçãs do rosto um pouco mais magras…
E, ainda assim, ele era deslumbrantemente bonito, um homem cujo mero olhar ainda podia perturbar sua alma.
— Me fala, por que você está aqui, assim?
Os olhos dele, uma mistura turbulenta de emoções, se fixaram nela em uma lânguida ironia.
Vanessa fechou os olhos, incapaz de encará-lo. Por que estava ali, daquele jeito? Para explicar isso, precisaria voltar muito mais atrás, ao próprio começo…
🌸🌸🌸🌸
A felicidade chega de mansinho, quase despercebida. A desgraça, porém, se anuncia com clareza brutal. E raramente viaja sozinha.
Vanessa Siren Somerset aprendeu essa verdade na primavera, faltando apenas duas semanas para completar treze anos.
“Tudo será diferente agora.”
O homem, calado até aquele momento, finalmente falou quando o trem chegou à Estação de Bath. Vanessa, que observava a paisagem pela janela, se virou para encarar o homem que se apresentara como “o advogado do Sr. Wyatt”.
Sr.Wyatt, seu tio distante, solicitou que a buscassem imediatamente após o funeral dos seus pais.
“O título de Conde de Somerset passará para o Sr. Wyatt, Vanessa. Você não terá direito algum à propriedade nem ao nome da família. O Sr. Wyatt assumirá todos os direitos e responsabilidades legais sobre você.”
“Todos os direitos legais?”
“Sim. O que você come, o que veste, cada centavo que gasta, tudo dependerá dele.”
“…”
“Incluindo o seu casamento, quando atingir a maioridade.”
Um leve tom de palidez tomou o rosto jovem de Vanessa, emoldurado pelo vestido negro de luto. O advogado a observou com curiosidade. Não esperava que uma menina de treze anos compreendesse o peso de suas palavras.
Mas seu cliente, o Sr. Wyatt, havia insistido para que tudo fosse explicado com absoluta clareza, em cada detalhe, a fim de evitar inconvenientes mais tarde.
“Chegaremos em breve. Vou pegar sua bagagem.”
O homem dobrou o jornal e se levantou. Sua pequena mala estava guardada no compartimento acima. Ele a entregou, e Vanessa a colocou com cuidado no colo.
“Alguém estará esperando para levá-la a Mansão de Gloucester. Basta segui-los.”
“O senhor não vai comigo?”
“Desço na próxima estação. Tenho muito trabalho a fazer para outros clientes.”
O advogado verificou o relógio de bolso, e seu tom de voz suavizou ligeiramente. A viagem de nove horas de trem de Londres a Bath era cansativa até mesmo para um adulto. No entanto, a jovem permaneceu composta o tempo todo. Sem lágrimas, sem inquietação, sem reclamações.
Considerando que havia perdido ambos os pais há menos de um mês, sua serenidade era notável.
“Que tipo de homem é meu tio?”
A pergunta o tirou de seus pensamentos. Ele franziu a testa, pensativo.
“Não sei bem o que quer dizer.”
“Ouvi dizer que o senhor trabalhou com ele por muito tempo, no exterior.”
“Bem… Ele não é um homem… gentil. Mas você é sua única parente viva. Duvido que ele seja cruel.”
“…”
“As coisas mudarão novamente em sete anos, quando você atingir a maioridade.”
Os olhos de Vanessa se arregalaram em questionamento, seus cílios dourados, emoldurando suas íris acinzentadas, batendo como asas de borboleta.
“Como vão mudar?”
“Você se casará. Então herdará a mesada que era paga à antiga condessa, cerca de trinta mil libras por ano.”
“Preciso me casar para herdar essa mesada?”
“Ou ter um filho. A lei imperial concede direitos de herança àqueles que têm dependentes. Até lá, o Sr. Wyatt, quero dizer, o novo Conde de Somerset, administrará sua herança.”
Vanessa assentiu graciosamente, mantendo a postura perfeitamente ereta. Nenhum traço de emoção denunciava o fato de que não teria acesso a um único centavo de sua fortuna até atingir a idade adulta. Ele se perguntou se ela realmente compreendia.
Claro, em sua idade, assuntos complexos como mesadas e herança provavelmente estavam além de sua compreensão. O trem assobiou ao parar na plataforma.
[Norte de Somerset, Estação de Bath! Por favor, recolham suas bagagens! O trem partirá em dez minutos!]
Os passageiros invadiram o corredor. Vanessa se levantou, o rosto levemente tenso enquanto segurava a mala. Deu alguns passos e então tropeçou, cambaleando perigosamente.
“Minha nossa!”
O advogado segurou seu braço, surpreso. Ela parecia tão composta sentada, mas seu corpo agora ardia em febre.
“Você precisa ver um médico ao chegar na mansão.”
“Agradeço sua preocupação, mas não é nada sério.”
“Você está com febre alta.”
“Vai contar ao meu tio?”
“Claro.”
“Não é nada. Só estou apenas… animada, acho.”
“Animada?”
“Tenho boas lembranças dos verões na mansão de Gloucester. Estou muito triste agora, mas tenho certeza de que serei feliz de novo, quando me estabelecer.”
Vanessa tocou sua bochecha quente com as costas da mão, oferecendo um sorriso genuinamente infantil.
“Por favor, não conte ao meu tio. Não quero que ele fique preocupado.”
O advogado ficou momentaneamente sem palavras. Ele se orgulhava de sua capacidade de lidar com qualquer situação, mas aquela garota inocente o encheu de um estranho sentimento de culpa. Tudo o que conseguiu dizer foi um fraco:
“Te desejo toda a sorte, Vanessa.”
“Obrigada. O senhor é muito gentil.”
“Vá agora. O trem está prestes a partir.”
Vanessa desceu, acenando em despedida. O homem a observou se afastar, um leve arrependimento apertando-lhe o peito.
A vida seria difícil para ela agora, mas seu futuro parecia promissor. Com seus traços delicados, porte elegante e sorriso angelical, ela estava destinada a se tornar a mais bela beldade, uma que, sem dúvida, cativaria a sociedade.
A felicidade e o sucesso de uma mulher, afinal, costumavam ser medidos pelo valor de seu casamento. Mesmo um canalha como Wyatt não subestimaria uma joia como Vanessa. Com sua beleza e natureza dócil, ela conquistaria o coração do marido com facilidade. ‘Talvez eu esteja me preocupando à toa,’ — pensou ele. Em alguns anos, provavelmente fará manchetes com a notícia de um casamento brilhante.
Afastou o desconforto, abriu o jornal novamente e se recostou. Estava cansado e ansiava pela cama de um hotel antes do anoitecer.
Exatamente sete anos depois, como ele, e todos os que conheciam a senhorita Vanessa, haviam previsto, ela de fato virou notícia, mas manchetes de Bath. Mas não por um casamento. E sim por um escândalo.
(Notinha para não se confundirem: é assim que faço nas minhas traduções
→ diálogos de acontecimentos passados ⟨“”⟩ Duas aspas
→ pensamentos do personagem ⟨‘ ’⟩ aspas simples
→ diálogos atuais ⟨—⟩) travessão
Continua…
Tradução: Elisa Erzet