Meu Amado Opressor - Capítulo 17
Naquela noite, Annette acordou. Seu corpo estava pesado como algodão molhado. Uma dor aguda veio de seu estômago e Annette soltou um gemido fraco, enrolando-se em seu corpo ligeiramente.
Uma figura negra apareceu na borda de sua visão meio turva. Ela piscou seus olhos franzidos várias vezes e, lentamente, ela entrou em foco. Era Heiner.
Heiner olhava para ela como se tivesse visto um fantasma. Era tão diferente do habitual que Annette confundiu com um sonho por um momento. Heiner chamou um médico assim que viu que ela havia recuperado a consciência.
O médico chegou logo depois e diagnosticou sua condição, que o ferimento de bala não foi muito profundo. Era um diagnóstico nada comparado à dor que ela sentia tão horrivelmente. Annette se perguntou por um momento se era mesmo verdade, mas logo se aquiesceu. Arnold dizia que ela era hipersensível, que reclamava ao menor desconforto. A julgar pelas palavras dele, imaginou que também deveria estar sendo hipersensível desta vez.
Depois de dar algumas recomendações sobre o ferimento, o médico hesitou por um momento e então disse a Annette que ela sangraria pelos próximos três a quatro dias.
Annette pensou que fosse menstruação. Normalmente, sua menstruação era muito irregular, às vezes até pulava meses consecutivos. Ela supôs que era o caso novamente… Mas o médico disse que era porque teve um aborto espontâneo.
Annette não conseguia acreditar no que ouvia.
“Os subprodutos restantes em seu útero devem sair mais tarde. Se o sangramento continuar, será preciso fazer uma cirurgia. O útero pode se contrair e causar dor no abdômen…” – A voz do médico estava meio desconectada.
Uma veia azul apareceu nas costas da mão de Annette enquanto ela agarrava a roupa de cama. O médico pareceu muito arrependido e informou que seria difícil para ela engravidar no futuro. A essa altura, Annette estava meio perdida.
“Bem, então você deveria descansar um pouco.” – O médico curvou-se educadamente e saiu da sala.
Annette sentou-se em transe, sem ter a mínima intenção de cumprimentar o médico. Ela involuntariamente colocou a mão na barriga, sentido as bandagens enroladas firmemente sob o vestido do hospital.
‘Grávida—? Quando? Como?’ – Ela não estava se sentindo muito bem ultimamente, mas presumiu que fosse por estresse, sem nunca imaginar que fosse gravidez.
Um estranho calafrio a percorreu. Os ombros de Annette tremeram levemente. Era uma criança que ela nunca soube que existia, mas ainda assim havia uma grande sensação de perda em seu estômago. Era uma criança que quis desesperadamente, mas que nunca conheceria.
“…Mantive seu aborto em segredo do mundo exterior.” – Heiner abriu a boca silenciosamente. – “Eu mesmo cuidarei de todos os assuntos relacionados ao incidente, então não se preocupe com essa parte.”
Annette virou a cabeça lentamente para olhar para ele. Suas palavras soaram muito estranhas.
‘Ele vai cuidar de tudo?’ – Não havia como Heiner lidar com as coisas a favor dela. Ele normalmente a deixava se virar sozinha quando os repórteres a incomodavam.
“O perpetrador foi apreendido na cena, estamos investigando qual era seu propósito e se ele tinha cúmplices.”
“…”
“…Atualmente, o uso de armas de fogo é restrito em público e você estava grávida de uma criança, então as acusações de tentativa de homicídio serão aplicadas e punidas com rigor…”
“…a criança…” – Sua voz falhou. Annette não se importou e continuou falando. – “Qual era a idade da criança?”
Heiner olhou para a barriga dela por um momento, então rapidamente levantou o olhar. – “11 semanas.”
Coincidia aproximadamente com o momento em que sua menstruação havia cessado. Annette fechou os olhos por um longo tempo antes de abri-los novamente. Sua mente estava confusa.
“Annette, a criança é…” – Heiner acrescentou pesadamente, com leve hesitação. – “Podemos adotar uma criança se você quiser…”
“Adotar?” – Murmurando suavemente, Annette olhou para ele. O rosto de Heiner estava, como sempre, difícil de ler suas intenções. – “Do que está falando de repente?”
“Se quiser criar um filho…”
“Não, eu não quero. Estou muito feliz que tenha acontecido assim.”
Com isso, a testa de Heiner franziu levemente.
Annette disse, abaixando a mão sobre o estômago.– “Era uma criança que nunca deveria ter nascido.”
“O que quer dizer?”
“Ela apenas teria sido infeliz se tivesse nascido, porque teria que viver em um lar sem amor e com uma mãe com todos os tipos de rótulos. Tomei muitos medicamentos durante a gravidez e não sei se daria certo mesmo…”
“Achei que você queria um filho.”
“Não mais. E você não queria isso. Não está feliz que eu tenha abortado?” – Annette sinceramente pensava que sim. Não havia uma única razão pela qual Heiner iria querer um filho enquanto havia razões demais para não querer.
Mas Heiner balançou a cabeça defensivamente. A maneira como ele agia parecia como alguém que havia sido atacado inesperadamente. – “O que diabos… Por que acha isso?”
“Então, já quis ter um filho comigo? Não, não quis.”
“Annette, eu apenas…” – Heiner moveu os lábios com uma expressão de quem não sabia o que dizer. – “Eu simplesmente… nunca pensei em ter filhos. Os médicos disseram que seria difícil para você conceber… e não houve notícias em quatro anos.”
“Quaisquer que sejam seus verdadeiros sentimentos, foi bom para você, Heiner.” – A boca de Annette se ergueu ligeiramente.
“Não é uma boa ideia política ter um filho comigo, não é?” – Apesar dos problemas superficiais, estava claro que Heiner teve sorte. Com uma criança nascida de uma mulher que ele odiava. Não havia como ele gostar da ideia.
O aborto espontâneo foi uma bênção em muitos aspectos. Para Heiner, para a criança que nunca nasceu e para as pessoas lá fora.
“Mas você…” – Sua voz baixa e ressonante estava bem fechada. Ele soltou um suspiro ligeiramente trêmulo e então respirou fundo. – “Você queria um filho, não é?”
“…O que isso importa?”
“Por que é diferente agora? Mesmo sabendo as circunstâncias do início de nosso relacionamento, não mudou muita coisa entre nós naquela época e atualmente, de qualquer forma.” – Os olhos de Heiner estavam escuros e fundos. Ele parecia uma sombra gigante enquanto estava sentado em sua cadeira com a cabeça meio abaixada.
“O que isso tem a ver com você, quer eu queira ou não?”
“Annette, não estou tentando discutir sobre superioridade.”
“Então o que exatamente quer discutir?”
“Só que… porque você quis isso no passado… que… poderia considerar a adoção.”
“Eu não quero!” – A voz de Annette se elevou. Ela cuspiu as palavras, meio sem razão.– “Eu não quero mais! Eu não preciso de um filho! Estou feliz por não ter tido um! Por que você insiste nisso…?!” – As últimas palavras soaram quase como um grito.
Os lábios de Annette tremeram violentamente e atmosfera tornou-se precária como vidro rachado.
Heiner sentou-se em choque, rígido como um animal assustado. Um silêncio pesado desceu. No silêncio, apenas a respiração de Annette flutuava instável.
Por um tempo, nenhum dos dois disse nada. Após um momento de silêncio, Annette virou a cabeça para longe dele.
“Por favor, vá embora. Eu quero ficar sozinha.”
Heiner olhou para ela sem responder. O tique-taque do relógio gelou o quarto. Os dedos de Annette sobre o lençol tremeram levemente. Por fim, ele se levantou silenciosamente. Seus passos ficaram distantes enquanto ele se afastava. A porta se abriu e depois se fechou novamente.
Annette virou-se de lado. O ar frio pressionava todo o seu corpo. Nada parecia real, embora ela abrisse os olhos com um espírito são.
Talvez seu desejo por uma gravidez fosse ganância egoísta, se ela realmente pensasse na criança, nunca deveria trazê-la ao mundo. O mundo em que a criança nasceria seria infinitamente frio e cruel por ser seu filho, por ser da linhagem Rosenberg.Talvez odiasse a mãe enquanto crescesse. Ela estava acostumada a ser odiada, mas para a criança, como seria?
Annette enrolou seu corpo firmemente e começou a tremer apesar das cobertas grossas. Um calafrio que parecia vir de dentro de seu estômago era terrivelmente doloroso.
“Você queria um filho, não é?” – Ela queria um filho? Sim, ela queria. Se era por solidão, desespero ou alguma outra razão egoísta, ela não sabia. Seja qual for a razão, ela queria.
Ela havia perdido um filho que tanto queria, mas, estranhamente, não havia lágrimas. Ela não se sentia culpada por ter falhado em proteger seu filho, nem seu coração doía tanto a ponto de se partir.
Ela simplesmente sentia muito frio.
Estava frio como se houvesse um grande vazio em seu corpo.
***
Enquanto estava no hospital, Annette passou por vários testes adicionais. Ela também foi conduzida a um aconselhamento psicológico por recomendação semi-forçada do médico e de Heiner. Eles pareciam preocupados com o impacto do aborto espontâneo nela, mas Annette achou que o aconselhamento era desnecessário.
Ela mesma não ficou muito chocada, apenas um pouco atordoada.
“Como está se sentindo hoje?”
“Nada mal.”
“Dormiu bem?”
“Sim, dormi bem.”
“Isso é bom. Com quem conversou ontem?”
“O médico, a enfermeira e meu marido…”
“Posso perguntar sobre o que você e seu marido conversaram?”
“Não me lembro de muita coisa.”
“Ouvi dizer que tiveram uma pequena briga outro dia sobre a questão da adoção.”
“Não foi uma briga, eu só estava — sensível.”
“Foi só uma diferença de opinião. Por que não quer adotar?”
Annette olhou para as mãos descansando em suas coxas por um momento e seus lábios se moveram lentamente.
“Eu só…” – Havia muitas razões: porque ela não estava confiante de que poderia amar seu filho completamente, porque sentia pena da criança que cresceria em um lar como o dela, porque era óbvio que as pessoas sussurrariam que ela usou a criança para impedir que o marido se divorciasse. A adoção, em si, era inútil de qualquer maneira. – “Acabei de sofrer um aborto espontâneo e… pensar em um novo filho tão cedo… é demais.”
“Ah, sim. Posso entender completamente como se sente.”
Annette mentiu repetidamente no aconselhamento. Ela até dizia a verdade, mas apenas superficialmente sobre seu bem-estar, e inventava respostas quando sentimentos profundos estavam envolvidos.
Basicamente, Annette não acreditava na confidencialidade das sessões de aconselhamento. Se cometesse o menor erro em sua resposta, esperava estar nas fofocas dos jornais da manhã seguinte.
E mesmo que não fosse por isso, toda a sessão seria reportada a Heiner.
A conselheira ficou satisfeita com a resposta dela e não a questionou mais. Annette fechou os olhos, sentindo-se cansada da conversa. Uma escuridão familiar surgiu sobre sua visão.
Ela só queria ficar sozinha.