Meu Amado Opressor - Capítulo 11
Quando Annette chegou à praia em Glenford já era noite. Ela levantou seu véu e olhou fixamente para a cena diante dela. Famílias e casais caminhavam pela praia. Uma risada de criança ressoou e foi levada pelo vento. Namorados tiravam os sapatos e brincavam com os pés na água. O oceano colorido pelo pôr do sol era incrivelmente lindo, ondas surgindo do horizonte ondulavam para cima e para baixo. Bolhas subiam como um buquê de flores na costa onde as ondas terminavam.
Annette abaixou o véu novamente e se afastou lentamente, sua saia esvoaçando ao vento frio.
Em um canto da praia, um homem exibia pinturas. A julgar pela grande tela colocada à sua frente, parecia que ele mesmo as havia pintado. Intrigada com o trabalho, Annette se aproximou e perguntou: – “Essas pinturas estão à venda?”
“Claro, eu mesmo as pinto e vendo.”
Annette leu a etiqueta de preço, que não era tão alto.
“Eu estava guardando as coisas, já que está ficando escuro, mas vou pintar um retrato seu de graça. Por favor, sente-se.”
“Ah…” – Annette não respondeu prontamente. Seu coração estava grato e ela estava interessada, mas teria que tirar o chapéu para fazer isso.
Depois de ler a hesitação de Annette, o homem brincou. – “O que foi, não está confiante em mostrar seu rosto? Posso lhe pintar com seu chapéu.”
“Uh, não, senhor.” – Sentada em sua cadeira hesitantemente, Annette engoliu em seco e então tirou seu chapéu.
Ela deu uma olhada furtiva no rosto do homem, mas ele não reagiu de nenhuma maneira em particular. – ‘Ou ele não se importa ou está fingindo que não se importa…’ – De qualquer forma, foi uma benção. Ela endireitou o chapéu, sentindo-se um pouco mais à vontade.
“Quanto tempo vai demorar?”
“Será rápido. Como você quer?”
“Não me desenhe de forma muito estranha.”
“Haha, nesse ritmo vou acabar fazendo exatamente isso, você está muito rígida, tente sorrir um pouco.”
Annette sorriu sem jeito.
O homem estalou a língua e balançou a cabeça. – “Muito estranho, você tem um rosto bonito, mas não é atriz. Tente sorrir mais.”
“Não é demais?”
“Que nada, você está bem assim, olhe.” – O homem imitou a expressão de Annette. Os olhos estranhamente dobrados e os cantos trêmulos dos lábios eram realmente bizarros.
Annette não conseguiu deixar de rir da expressão engraçada no rosto dele. – “Eu estava fazendo isso?”
“Seu rosto está muito melhor agora.” – O homem que apontava para ela com o dedo moveu rapidamente sua caneta.
Annette sorriu, um pouco envergonhada. Após terminar uma simples coloração com cores pastéis, o homem mostrou o desenho a ela.
Annette soltou uma pequena exclamação. – “É muito mais bonito do que eu!”
“Claro que sim, tenho muito talento, desenho mais bonito que o modelo real.”
O cabelo loiro dançante, os olhos azuis estreitos, o rosto brilhantemente sorridente e o mar vermelho atrás dela. Não era uma versão realista, mas havia bastante semelhança em comparação sua aparência.
“Você vai comprar? Claro que não precisa comprar, e se comprar, darei um desconto.”
“Bem, eu realmente gosto da pintura, mas estou um pouco envergonhada por ver meu rosto nela, então prefiro comprar… outro quadro.”
Annette apontou para a pintura do oceano com a superfície cintilante, que ela estava observando antes. Na verdade, foi por causa dessa peça que ela perguntou ao homem se suas pinturas estavam à venda. O homem ficou feliz em lhe dar três libras de desconto. Annette aceitou o saco de papel contendo a obra de arte e agradeceu. E antes que ela percebesse, o sol havia se posto e o crepúsculo da noite desceu.
****
Heiner olhou para ela paralisado. Era como se pudesse sentir o cheiro doce da brisa do mar. Apesar da distância entre eles, o sorriso dela foi capturado na retina dele tão claramente quanto uma impressão digital. As mãos caídas de Heiner tremiam. Seu estômago se revirou a ponto de causar náusea.
“Excelência, a madame desapareceu.”
Assim que o relatório chegou a Heiner, todos os postos de controle da capital e estações de trem foram informados sobre uma possível aparição de Annette. Essa era uma diretriz que Heiner havia definido com antecedência, pois se ela ficasse na capital poderia ser pega a qualquer momento se tentasse fugir, mas se escapasse para outras áreas as coisas se tornariam mais complicadas.
O próximo relatório veio da estação de trem. Como a equipe da estação não tinha autoridade para deter Annette, a seguraram para que pegasse um trem atrasado. Ao mesmo tempo, Heiner imediatamente dirigia até a estação.
Quando chegou lá, a viu sentada em um banco. Ela parecia, de alguma forma, terrivelmente estranha. Annette parecia tão desamparada enquanto olhava para as pessoas por trás de seu véu… era como se estivesse sozinha no meio de todo o barulho do mundo.
Ele pensou que, talvez, no momento em que a segurasse em suas mãos, seu corpo magro desapareceria sem deixar rastros. Ele sabia que era uma ilusão louca, uma sensação bizarra de desconforto, mas ainda assim ele sentia isso. Foi por esse motivo que mudou seus planos de levá-la de volta para a residência e decidiu segui-la. Annette não parecia alguém que estava tentando escapar, pois carregava apenas uma bolsa e seu destino era um lugar famoso por turismo.
‘Ela vai ver Ansgar Stetter?’ – Só de pensar nisso sua cabeça ficou em chamas. Heiner mal conseguiu acalmar suas emoções furiosas e a seguiu até o trem.
Annette embarcou na terceira classe, o que não lhe agradou, talvez tenha sido porque foi a primeira vez que ela havia comprado uma passagem. Annette estava completamente alheia à presença dele. Era natural. Ela era uma civil e ele um agente secreto experiente em espionagem. Por fim, Heiner pagou um valor extra para trocar de assento com alguém no banco de trás dela. O trem era pequeno e úmido. Era estranho que uma mulher tão elegante estivesse sentada ali. Heiner sentou-se desconfortavelmente.
Ele ouvia os pequenos sons de conversa através do vão entre o assento e a janela. Por algum motivo, Annette conversou com a velha senhora em frente a ela. Heiner se perguntou se a voz dela sempre fora tão clara.
“Por que você e seu marido não se dão bem?”
“É que… meu marido e todo o seu povo não gostam de mim. Eu também não quero mais viver com ele.”
“Não tem nenhuma vontade de viver mais com ele?”
“Talvez ele ficasse melhor se eu morresse.” – Ela estava errada, mas Heiner não sabia por que queria argumentar que ela estava errada. Talvez fosse porque a voz de Annette soou solitária quando disse isso.
“Mas não dá para ser amada por todos, isso não é possível, você só tem que se agarrar àqueles que te amam.”
‘Essas palavras são simplesmente ridículas.’ – Heiner pensou enquanto batia lentamente o dedo no batente da janela. – ‘Não sobrou ninguém para ela.’
Exceto ele. Ele era o último. Eles sofreriam, mas ainda estariam juntos. Mesmo que não fosse amor.
Annette desceu na estação de Glenford e entrou em uma carruagem com destino à praia. Heiner a seguiu. Ela olhou para o mar por um tempo e lentamente começou a andar. Depois de caminhar pela praia por algum tempo parou em frente a uma barraca que vendia pinturas e conversou com um homem. Hesitando por um momento, ela então se sentou em uma cadeira e tirou o chapéu. Então ela riu.
Ao ver seu rosto sorrindo brilhantemente de longe, Heiner sentiu um choque inexplicável. Quando foi a última vez que ele viu aquela mulher rir tão inocentemente? A única vez que lhe veio à mente foram todas as memórias distantes. Ele cerrou os dentes silenciosamente.
‘Vamos embora agora.’ – Heiner pensou.
Não havia razão para esperar por Annette, deveria levá-la de volta para a residência oficial agora. Foi errado ele ter perdido seu tempo e a seguido até aqui em primeiro lugar… Mas suas mãos tremiam levemente. De alguma forma, seus pés não se moveram.
Heiner olhou fixamente para Annette.
Ele deveria simplesmente ir até lá, agarrar o pulso dela, forçá-la a se levantar e prendê-la quando retornassem para Lancaster.
Mas ele não conseguia fazer isso.
Ele deveria perguntar se ela estava pensando em fugir, qual o motivo de ter vindo aqui depois de fugir de seus acompanhantes, se estava tentando encontrar Stetter.
Mas ele não conseguia fazer isso.
Ele não queria vê-la feliz. Ele não podia permitir que ela tivesse nem um momento de liberdade. Tinha que avisá-la que se fizesse isso de novo não teria permissão para sair da residência.
Mas ele não conseguia fazer isso.
Naquele momento, ele viu o sorriso sumir do rosto de Annette como uma miragem. Embora o riso dela fosse uma das coisas que ele odiava e achava mais ofensiva.
No entanto, ele não conseguia fazer nada contra isso.
As ondas se agitavam, assim como seu coração cheio de emoções.
***
Annette tirou cuidadosamente os sapatos e as meias. Era a primeira vez que ela tirava os sapatos ao ar livre, já que os nobres da Padânia tinham vergonha de mostrar os pés descalços.
Ela colocou sua bagagem em um lugar e foi pegar coisas inúteis na praia. Conchas quebradas, conchas vazias, cacos de vidro rombudos, fragmentos de origem desconhecida. Annette foi colocando tudo no bolso do seu cardigan e um deles rapidamente ficou mais pesado que o outro.
As ondas subiram até seus tornozelos e então foram embora novamente. Ela endireitou o corpo e olhou para o oceano à distância. O sol estava se pondo e o horizonte estava escuro. Esse pedaço de vidro ou um caco de porcelana pode ter vindo de um país estrangeiro do outro lado do mar, cavalgando as ondas e sendo empurrado pela corrente para um lugar distante e desconhecido.
Para um lugar distante e desconhecido…
Annette deu um passo involuntário em direção ao mar e a água fria respingou em suas pernas. Ela ficou ali por um momento, então deu outro passo. Outro passo. A bainha de sua saia molhada enrolou-se em suas pernas. Antes que ela percebesse, a água estava na altura de suas panturrilhas. O olhar de Annette permaneceu no horizonte.
Mas quando ela estava prestes a dar outro passo em direção à água, uma grande mão agarrou seu braço. Ela foi rapidamente puxada para trás e bateu em algo sólido, enterrando-se em um peito largo e braços fortes. Annette levantou a cabeça e um cheiro familiar passou por seu nariz.
“Aonde pensa que vai…?!” – Uma voz profunda e rouca soou.