Meu Amado Opressor - Capítulo 07
“Eu não quero comer.” – Annette protestou, mas Heiner apenas removeu os papéis em branco da mesa lateral sem responder. – “Eu não quero comer.”
“Está tentando morrer de fome?”
“Não importa se vou morrer de fome ou não.”
“Se vai morrer, faça isso de uma forma mais graciosa.” – Heiner se afastou da mesa lateral limpa e olhou para ela friamente. – “Você é a princesa de Rosenberg.”
Naquele momento, a expressão de Annette endureceu. Ela o encarou, a boca fechada e os olhos baixos. Naquele olhar magoado, Heiner se sentiu sujo o tempo todo enquanto estava sendo sarcástico.
Princesa de Rosenberg. Era assim que as pessoas costumavam chamar Annette. Ela era o objeto de desejo de todos os homens da capital. Filha única do nobre Rosenberg. Tinha uma bela aparência, um coração bondoso e era até aspirante a pianista. Ninguém poderia tratá-la desrespeitosamente. Annette era uma pessoa que fazia qualquer um ficar agudamente ciente de sua nobreza só de olhar para ela. Chamá-la por esse nome agora não passava de uma zombaria.
Enquanto estavam cercados por um silêncio desconfortável, um criado entrou com um pouco de comida. Heiner colocou na mesa e então disse. – “Coma.”
“Por favor, vá embora, vou comer sozinha.”
“Para fingir que comerá?”
“Se eu fizer isso, o que vai fazer?” – Annette disse em um tom cortante.
Os olhos de Heiner se arregalaram ligeiramente. – “Isso não é do seu feitio…”
“Não é? O quanto sabe sobre mim?” – Annette zombou quando disse isso. Isso também não era do feitio dela.
Desde que Heiner a conheceu, Annette nunca havia falado de forma tão sarcástica. Mesmo quando estava com raiva, ela era honesta. Era uma mulher que agia de forma indiferente e flexível, agiu assim até mesmo enquanto pedia o divórcio. Mas agora ela parecia bastante sensível.
“Esse comportamento é porque tomei seus comprimidos?” – Heiner disse calmamente, controlando os nervos que estavam à flor da pele. – “Eu com certeza sei mais sobre você do que você sabe sobre mim.”
“Claro que sim, porque assim foi capaz de ganhar meu coração.” – As palavras fizeram Heiner querer questioná-la. – “Mas, Heiner… Nada mais é como antes. Tudo mudou.”
‘Eu ainda estou no seu coração? Você ainda me ama?’ – Por que ele queria perguntar essas coisas a ela?
“Eu não sou mais a ‘Princesa de Rosenberg’, não sou mais sua amada e não sou mais aquela jovem que era alheia ao mundo ao seu redor. Aquela pessoa que conheceu e o eu que conhece agora são pessoas totalmente diferentes.”
“Bem, não tenho certeza disso.”
“Deveria saber agora.”
Heiner olhou para ela com um rosto inexpressivo. Ele realmente não sabia. Certamente Annette estava certa, ela não era mais nada. Seu grande nascimento era agora um pedaço de papel, todo o amor que ela havia recebido em abundância se foi e ela não conseguia mais tocar o piano que tanto amava. Ela não era nada. Mas por quê…? Por que ela ainda era tão bonita e nobre? Por que ele ainda sentia tanta inferioridade e miséria quando estava na presença dela? Ele realmente não entendia.
“Por favor… coma. Antes que eu a force a comer.” – Heiner sentou-se na cadeira em frente a ela e falou com uma voz levemente fraca. Ele notou que suas feições pareciam ainda mais delicadas de perto. – “Rápido.”
A pedido de Heiner, Annette relutantemente começou a tomar sua sopa. Ela comeu tão silenciosamente e lentamente que não houve nem mesmo um som de barulho dos pratos. Heiner a observou com um olhar levemente perturbado no rosto, isso foi possível porque Annette não lhe daera atenção.
Um rosto branco e pequeno. Cabelos loiros e íris azuis, cílios longos que projetam sombras sob os olhos e um nariz impecável. O símbolo da beleza de Padânia. Ela parecia exatamente como era mais jovem. Só que muito mais madura.
Heiner se lembrou do momento em que viu Annette pela primeira vez. Uma menina parecida com uma boneca. As pequenas mãos brancas que se moviam para frente e para trás sobre o teclado. Uma aparência tão virtuosa que ele se perguntou se era realmente verdade que eles tinham nascido sob o mesmo céu e respiravam o mesmo ar. Quão sujo e inferior ele se sentia desde então. Heiner lutou para dissipar o pensamento. Ele mirou o bordado na mesa com olhos pesados e fundos e viu emaranhados aqui e ali.
Annette, que estava mexendo lentamente a sopa, de repente abriu a boca. – “Eu gostaria de ir a um lugar sozinha por um tempo. Um pouco longe.”
“Sozinha? Onde?”
“Ainda não decidi, mas qualquer lugar…”
“Acha que eu daria ouvidos a isso? Aonde pensa que vai?”
“Pense sobre meu pedido.” – A colher que estava circulando na sopa parou. – “Quando foi que comecei a pedir sua permissão para cada coisa?” – Seus olhos baixos não o encaravam. Ela murmurou baixinho. – “Eu sei o que está pensando.” – Com essas últimas palavras, Annette não disse mais nada. Heiner também parou de falar. O silêncio mais uma vez desceu.
Pegando a comida, ela finalmente esvaziou um terço dela e largou a colher. – “Não consigo comer mais.”
“Tenho certeza de que quem passou fome por alguns dias comeria mais do que isso.”
“Como eu poderia comer com você me monitorando tão de perto? Me deixa enjoada.”
Com um suspiro baixo, Heiner se levantou. Enquanto caminhava em direção à porta, seus passos pararam por um momento. Ele virou a cabeça ligeiramente e falou como se estivesse avisando.
“…Se eu ouvir que se recusou a comer mais uma vez, considerarei um transtorno alimentar psicótico e a internarei em um hospital.”
Nenhuma resposta veio. Annette olhou para sua sopa com um rosto completamente emaciado.
Heiner cerrou os punhos e abriu a porta bruscamente.
***
Pernas longas cruzaram rapidamente o quarto, Heiner colocou o pote de remédios na mesa e girou o botão do telefone. Não demorou muito para que o outro lado da linha atendesse.
[Sim, aqui é o Dr. Arnold Berkell.]
“Heiner Valdemar. Lamento ligar tão tarde, Dr. Arnold, podemos conversar por um momento?”
[Oh, senhor, está tudo bem. Como posso ajudá-lo?]
“Estou com um medicamento cujo nome gostaria de saber. É o remédio que receitou para minha esposa. É pequeno, circular, branco e no meio tem as letras S, Z e 5.”
[S, Z- oh, esse é o Sinazel.]
“É um calmante?”
[Sim. Costumo prescrever esse remédio para a madame dormir.]
“…Certo, obrigado. Até mais.”
[Sim, Excelência, tenha uma boa noite].
Desligando o telefone, Heiner apoiou as mãos na mesa e prendeu a respiração por um momento. Um silêncio mortal fluiu no quarto escuro. Em sua visão escura, o armário de remédios era tão branco que machucava seus olhos. Sua imagem parecia se misturar à figura do rosto pálido de Annette. Heiner pegou o pote de remédios da mesa e jogou-o na lata de lixo.
‘Isso não é engraçado.’
Colecionar pílulas era um sinal comportamental de pessoas contemplando a morte. No entanto, Heiner nunca pensou que Annette estaria considerando seriamente o suicídio. Isso era apenas um hábito para conforto psicológico.
Annette era uma mulher tímida e fraca. Ela não tinha coragem de morrer. Era por isso que ela temia tanto a opinião pública dos jornais e tremia diante do piano. Ela não sabia nada sobre ferimentos, espancamentos, tortura, fome ou a sensação de um assassinato. Ela simplesmente sentia uma miséria terrível por coisas tão simples.
Heiner refletiu o tempo todo enquanto desabotoava suas roupas. Ele olhou para o espelho de corpo inteiro na frente dele com um olhar insensível no rosto e um homem sombrio com olhos cinza-escuros estava preso no vidro.
“Quanto mais eu olho, mais penso nisso, mas acho que você tem olhos realmente lindos.” (A)
“Meus olhos? É a primeira vez que ouço isso.” (H)
“Sério? Não pode ser, são tão lindos! Gosto mais dos seus olhos do que de todas as suas outras características.” (A)
“Os outros lugares não são tão bonitos?” (H)
“Não foi o que eu quis dizer! Eu sou exigente. Nunca namorei um homem que não fosse excepcionalmente bonito.” (A)
“Nossa, eu teria gostado de você mesmo que não fosse bonita.” (H)
“Isso significa que me acha bonita?” (A)
“Você é a mulher mais linda do mundo.” (H)
Olhos cheios de amor suavizaram. Ele fixou os olhos nos olhos azuis de Annette. Uma brisa primaveril soprava à distância. Cabelos dourados deslumbrantes esvoaçavam. Uma risada clara se seguiu, espalhando-se como pétalas.
Onde a ilusão havia passado, restava apenas uma zona cinzenta desolada. Heiner fechou os olhos por um longo tempo e os abriu. Era realidade novamente.
“Fico feliz que esteja infeliz.” – Heiner murmurou para si mesmo. – “Você deve se desesperar tanto quanto eu me desesperei. Você deve perder tanto quanto eu perdi. Você estava lá nos meus momentos mais infelizes, então devo estar nos seu também. Tanto quanto minha vida tem sido longa e sombria, a sua também deve ser.”
Heiner tirou a camisa. Apenas o som de roupas farfalhando no silêncio preenchia o quarto. O espelho, meio enterrado na escuridão, refletia seus ombros largos e peito, fortemente unidos com músculos. Na parte superior de seu peito havia letras inscritas com uma caligrafia bagunçada. Emaranhados de pele retorcida com cicatrizes vermelhas formavam uma imagem tenebrosa de pele queimada que dizia:
SOU PROSTITUTO DE PADANIA.