Meu Amado Opressor - Capítulo 06
Annette entrou em uma sala no extremo oposto do primeiro andar da residência do governo. Ela acendeu várias luzes incandescentes penduradas nas paredes, e o interior foi revelado. No meio da sala havia algo grande coberto com um pano branco. Ela agarrou o pedaço de pano e hesitou por um momento antes de removê-lo lentamente. Uma superfície preta lisa apareceu. Era o piano que ela usava desde seus dias de solteira.
Ela havia se mudado da residência Rosenberg para a residência Valdemar quando se casou, e depois para a residência oficial quando Heiner se tornou comandante-em-chefe.
Annette sentou-se em uma cadeira e abriu a tampa do piano. As teclas estavam limpas e não desbotadas, mas ele não era afinado há algum tempo, então era difícil esperar um som bonito. Ela olhou fixamente para as teclas. Ela ainda podia ter certeza de qual som ouviria se pressionasse o ponto certo no teclado.
“Mas agora é tudo inútil.”
Após a morte do pai, é claro, ela não pôde participar de competições. Tudo o que Annette havia conquistado em sua carreira desmoronou e foi rotulado como conquistado usando seu poder, conexões e dinheiro.
Foi então que ela não conseguia mais tocar piano. Ela não conseguia nem apertar as teclas, muito menos tocar. No começo, ela fez muitos esforços para tentar tocar novamente, mas todos terminaram em fracasso. Depois disso, ela desistiu do piano completamente.
‘Achei que melhoraria com o tempo…’
As teclas refletidas nas luzes incandescentes não tão iluminadas empalideceram a superfície. Quando ela as tocou, as pontas dos dedos congelaram e pareceram se quebrar em pedaços. O amanhecer estava raiando. Annette, que estava sentada em frente ao piano por algum tempo, de repente percebeu.
Não havia realmente mais nada para ela.
***
“O armamento principal era um rifle de ferrolho calibre .30 com um carregador de cinco tiros. Certamente parece ter um grau maior de fechamento e menos chance de ficar inoperante.”
“Isso é o mais próximo que se pode chegar sem usar uma máquina de arma semiautomática. E aqui, o calor da arma cai do cano e na extensão máxima possível.”
“Entendo.” – Assentindo, Heiner embrulhou o modelo da arma em um pano novamente. Como Chefe Armamentista, era ele quem revisava e aprovava os modelos.
“Já passou do horário de expediente, vamos encerrar o dia. Bom trabalho.”
“Sim!”
O Brigadeiro-General Fritz e o Major Eugen levantaram as mãos em saudação e deixaram os escritórios do Comandante-Chefe.
Heiner examinou os documentos relativos à compra de caças, carimbou com seu selo e depois analisou o relatório da situação diplomática da França.
“Repartição das compras de armas…” – Heiner franziu a testa enquanto verificava o formulário de munições da França.
Rutland havia se tornado independente da França há muito tempo, mas ainda havia muitos franceses vivendo no país. Eles eram pró-França que queriam se fundir com a França novamente. Era motivo suficiente para haver uma guerra. A política interna de Rutland estava em desordem devido a frequentes golpes militares. Se a guerra civil se tornasse uma questão diplomática entre as grandes potências, uma grande guerra poderia estourar.
A idade e o bom senso de Heiner mantiveram um tratado de defesa amigável, mas esta não era uma resposta definitiva. Era uma época em que a maioria dos países tendia ao nacionalismo, se uma guerra acontecesse em um momento como esse, certamente traria um frenesi de alistamentos de voluntários. Mas também envolveria inúmeros sacrifícios.
Heiner sabia muito bem quais sequelas a guerra deixaria em seu rastro. Ele sabia e seus companheiros também. Qualquer um certamente sofreria qualquer tipo de choque, em qualquer forma…
“…Eu quero ir para casa.” – Os pensamentos de repente pararam em um lugar.
Heiner pareceu um pouco irritado e soltou a mão que estava tocando sua testa. Por que ele estava pensando naquela mulher? Ele esfregou os olhos uma vez, então olhou para os papéis novamente. Entretanto, as letras apenas se desfizeram em grafias desconexas, além do alcance da compreensão. Ele se esforçou para expulsar os pensamentos confusos, mas não funcionou do jeito que queria. Era sempre assim quando pensava nela.
Heiner desviou o olhar dos papéis descontente e uma série de cenas se repetiam em sua cabeça. A forma como ela olhou para ele como se pedisse ajuda, seu corpo magro e trêmulo em frente ao piano, o rosto estrangulado enquanto ela corria para fora do salão de banquetes, as costas dela enquanto vomitava… O comportamento que Annette demonstrou naquele momento parecia a manifestação de um trauma.
“Ha.” – Heiner não conseguiu deixar de rir. Trauma? Como uma mulher que não derramou uma única lágrima nos últimos três anos poderia estar traumatizada?
‘Quando eu era pequena, eu costumava chorar muito por vários motivos.’ (Lembrança de uma fala de Annette)
Enquanto ela chorava sobre seu pouco progresso nas habilidades com o piano, Heiner estava em um campo de treinamento passando por um treinamento rigoroso sob abusos verbais e físicos. Enquanto ela festejava elegantemente em sua mansão luxuosa e pacífica, ele matava e torturava pessoas sob o pretexto de uma operação.
‘Como uma mulher como ela poderia estar traumatizada?’. (Vemos aqui que ele não sabia sobre as circunstâncias da morte do pai de Annete)
Os papéis nas mãos de Heiner estavam levemente amassados. Ele cerrou os dentes e jogou os papéis para o lado descuidadamente, fazendo com que se espalhassem com um som esvoaçante.
“Quero o divórcio, Heiner.” – Annette estava tão abalada com a visão de um piano, mas falava sobre divórcio com um olhar indiferente no rosto. Não fazia sentido algum.
“Você ainda tem alguma utilidade para mim?” – Utilidade? Ela era inútil, mas o tempo para discutir sua utilidade já havia passado há muito tempo.
Heiner também sabia que sua recusa era irracional, mas ele não podia simplesmente deixá-la ir em paz. O que ele suportou para conseguir aquela mulher?
“Deve ter sido difícil fingir amar a filha de seu inimigo.”
“Caramba….” – Heiner esfregou o rosto com uma das mãos.
O amor desajeitado e não correspondido de sua infância, de um passado em que era jovem e solitário, era apenas uma memória que ele queria apagar.
***
O mordomo fez seu relatório rotineiro a Heiner quando ele retornou à residência oficial e sua expressão endureceu enquanto ouvia sobre Annette. Depois disso, se dirigiu diretamente ao quarto de sua esposa sem nem se trocar.
Após o banquete de abertura no Belen Hotel, Annette se escondeu em seu quarto. Ela nunca saía muito, mas dessa vez foi severo. Segundo o mordomo, ela até se recusou a comer. Não era algo com que Heiner se importasse muito, mas estava curioso para saber se era um sinal de rebelião.
Sua mão parou por um momento quando estava prestes a abrir a porta do quarto, então a fechou e bateu duas vezes na porta. Entretanto, a nobre dama parecia desprezar seus modos cavalheirescos. Após um momento, Heiner abriu a porta com um sorriso autodepreciativo.
Lá dentro, Annette estava sentada e bordando, parecendo desconfortavelmente isolada. Ela não olhou para ele. Seus olhos estavam abaixados e sua boca estava fechada, seu perfil era impecável como se medido com uma régua. Complementando paisagem perfeita de natureza morta que emanava do quarto, havia muitos saquinhos de remédios em uma das mesas pequenas. Desgosto brilhou nos olhos de Heiner.
“Ficou bordando no seu quarto o dia todo? E pulou refeições?” – Ele disse, escondendo sua irritação sob um tom frio. “Está se rebelando agora?”
“Não, não estou, não se preocupe com isso.”
“Quantos comprimidos há nisso?” – Heiner murmurou enquanto caminhava até uma pequena mesa que continha vários pacotes translúcidos vazios. Ele abriu a gaveta sob a mesa lateral.
Annette, que estava passando linha colorida pelo tecido, ergueu os olhos rapidamente. –
“Por que abriu sem permissão?”
“Escondeu documentos confidenciais aqui?”
“Não, não foi isso que eu quis dizer.”
“Então há algum problema se eu olhar?”
Annette não disse mais nada. Heiner fechou a primeira gaveta e abriu a segunda. Dentro dela, havia várias saquinhos de remédios e uma caixa do tamanho da palma da mão. A caixa que ele abriu estava quase cheia de pílulas brancas. Ele pegou algumas na palma da mão para verificar e notou que em cima das pílulas pequenas e redondas, havia letras e números inscritos.
“O que é isso?” – Heiner perguntou, virando-se.
Piscando várias vezes, Annette respondeu com hesitação. – “…É só remédio.”
“Você não toma seus remédios com o dr. Arnold regularmente?”
Annette tomava remédios com mais frequência do que comia. Ela parecia poder ter uma overdose de tantos medicamentos que ingeria, então ele se certificou de que dr. Arnold os prescrevesse em sacos individuais, não em uma caixa de remédios.
“Não tenho tomado muito ultimamente… como não tomei, eles se acumularam.”
Acumularam? Se estava acumulado porque ela não os tomou, deveriam estar em sacos individuais, não juntos assim. Heiner fechou a tampa da caixa de remédios com uma expressão dura no rosto.
“Ficarei com isso por enquanto.”
“Por que faria isso?”
“Não vejo necessidade de manter remédios velhos. Peça uma nova receita ao seu médico.” – Era uma voz exigente que não toleraria nenhuma desculpa ou contra-argumento.
Annette moveu os lábios como se fosse dizer algo, então abaixou a cabeça desamparadamente.
De repente, o olhar de Heiner pousou no pano de bordado sobre a mesa. O bordado no pano branco era uma bagunça ondulante até mesmo para seus olhos pouco familiares. Heiner sabia que suas habilidades com bordado eram muito boas, Annette até mesmo já lhe dera vários lenços bordados à mão.
“Heiner, isto é um presente para você.” – O bordado no lenço que ela lhe dera com um sorriso tímido era muito delicado e bonito. Heiner pensou que se o centro de treinamento exigisse essa disciplina, teria sido reprovado sem dúvida. Ele riu ao pensar nas nobres damas que aprendiam todas essas coisas elegantes e graciosas, transbordando lazer.
Ele não usou o lenço nojento. Mas isso não significava que conseguiria jogá-lo fora. Não era nada mais do que um pedaço de pano, mas ele se lembrava vividamente do formato e da elaboração. Era difícil acreditar que o bordado daquela época e o bordado de agora foram feitos pela mesma pessoa. Era como se uma criança tivesse feito…
Heiner, que estava olhando irritantemente para o tecido bordado à sua frente, apertou seu pager. Um servo entrou imediatamente e Heiner ordenou sem se virar. – “Traga alguma comida. Algo leve.”