Meu Amado Opressor - Capítulo 01
Em retrospecto, não houve destino no encontro deles. Annette era uma romântica e tanto, mas já havia abandonado essas noções há muito tempo.
Seu professor de filosofia lhe disse que não existe tal coisa como destino. Somente quando se aceita a inevitabilidade de uma coincidência passageira, é que se interpreta isso como destino. Se essas palavras estiverem certas, significa que não havia sequer uma coincidência entre eles.
Annette olhou secamente para seu nome de solteira escrito no envelope. Era lamentável, considerando o esforço que foi feito para obter esse pedaço de papel, o qual teve que ser escrito à mão por medo de ser monitorada.
Annette saiu da sala com a carta. Seus passos a levaram ao escritório de Heiner. O jovem comandante-chefe da Padânia. Seu marido, com quem estava casada há quatro anos. Chegando em frente ao seu escritório, Annette bateu na porta sem hesitar. Então, antes mesmo que lhe dissessem para entrar, ela engoliu em seco e abriu a porta.
Isso era incomum, considerando que Annette geralmente agia com cautela para evitar ofendê-lo ao observar seu semblante.
Heiner levantou a cabeça como se tentasse ver quem era a pessoa rude que entrou sem permissão e suas sobrancelhas se ergueram um pouco em surpresa depois de identificar que era Annette, mas não houve mais nenhuma mudança de emoção.
Annette foi até a mesa e estendeu a carta.
“Gostaria de ler?” – Ela perguntou em seu tom de voz suave e bem-humorado de sempre.
Entretanto, Heiner nem sequer olhou para a carta. Ele se voltou para seus papéis novamente enquanto falava calmamente – “Estou ocupado agora, prefiro ter essa conversa mais tarde.”
A caneta se moveu sobre o papel, fazendo um som de trituração. Annette abaixou lentamente a mão que recebera a carta.
“Heiner, tive dificuldade em desenterrar seu passado.”
A caneta de Heiner parou.
“Meu pai está morto, mas isso não significa que todos em sua comitiva estejam mortos. Nos conhecemos há muitos anos, então não foi impossível.”
“…Annette.” – A voz baixa continha um aviso. Também significava exigir uma explicação, mas para Annette foi engraçado, porque não era ela quem deveria se explicar.
“Eu sempre me perguntei” – ela disse – “Por que está fazendo isso comigo?”
“…”
“Por que está fazendo isso comigo? Por que a pessoa que me amava tanto quando éramos namorados mudou tanto? Dizem que o coração pode esfriar, mas ainda assim, isso não é demais?” – Annette sorriu calmamente – “Mas agora eu entendo.”
O rosto de Heiner, como sempre, estava inexpressivo quando ele olhou para ela, mas ele estava um pouco pálido.
“Desde o começo, você se aproximou de mim de propósito, não foi?”
“…Sim.”
“Não está surpreso pelo fato de eu saber.”
“Eu sabia que descobriria um dia.”
Todos os encontros que Annette achava que eram o destino estavam sob o controle de Heiner. Ela esteva à mercê de seus planos do início ao fim.
“É mesmo… haha” – Annette deu uma risada curta – “Deve ter sido difícil fingir amar a filha de seu maior inimigo.”
Eles se casaram após dois anos de namoro. O pai de Annette, Marquês Dietrich, era sobrinho do Rei Piete, e Annette era de ascendência real. O Marquês Dietrich era um dos cinco generais do exército da Padânia e Heiner Valdemar era um comandante sob o comando do Marquês.
Heiner, que havia se casado com a filha de seu superior, rapidamente ascendeu à vitória. Tudo era perfeito. Tudo parecia perfeito. Mas a felicidade, que ela pensava que seria eterna, rapidamente chegou ao fim.
Antes do fim da lua de mel, a monarquia foi derrubada pelo exército revolucionário e um governo republicano foi estabelecido. Foi nessa época que Heiner, que era um marido maravilhoso e gentil, mudou repentinamente de atitude.
“Fiquei muito surpresa ao ouvir que ajudou o exército revolucionário a estabelecer o novo governo e que se tornou comandante-em-chefe do exército com essa condição. Na verdade, você traiu meu pai.”
“…”
“Mas eu confiei em você. Pensei que se os novos tempos eram mesmo assim, que era uma escolha que você precisava fazer para se proteger… e proteger a causa. Mesmo que isso significasse matar meu pai” – disse Annette, que antes não sabia nada de política.
O governo livre, o exército revolucionário e a família real estavam fora de sua esfera de conhecimento, mas com a queda da monarquia, a família Rosenberg suportou o peso da culpa. Seu pai foi morto pelo exército revolucionário e sua mãe cometeu suicídio. Daí em diante, a política se tornou assunto relevante para Annette.
“A suposição de que você, um revolucionário desde o começo, se aproximou de mim de propósito… se isso for verdade, eu realmente não tenho mais nada. Porque tudo que eu podia fazer era confiar em você.”
Desde então, ela viveu sua vida com cautela, ela não podia nem sair de casa. No momento em que ela pisasse para fora dos portões, era submetida a todos os tipos de acusações do público.
Sangue real sujo. A filha do Marquês Dietrich, o general militar que oprimiu o exército revolucionário e os civis. A mulher abominável, que gosta de sangue.
Mesmo que estivesse viva, ela não estava vivendo. A única pessoa com quem podia contar era seu marido, mas Heiner havia mudado há muito tempo. Ele estava sempre ocupado, indiferente e às vezes parecia desprezá-la.
“Tolamente tentei de alguma forma compreender sua mudança e fazer com que me aceitasse. Entretanto, na verdade… você nunca mudou.”
“…”
“Porque você nunca me amou.”
Heiner apenas a encarou, sentado imóvel como uma estátua de pedra e uma expressão vazia. Annette pensou que conhecia Heiner muito bem como seu amado namorado e marido, mas na verdade era tudo uma mentira.
“Estou errada?”
“…Não.”
“Então diga alguma coisa, Heiner. Preciso ouvir a verdade de você.”
Heiner pareceu um pouco surpreso ao ouvir as palavras duras saírem da boca dela. Um momento de silêncio se seguiu. Eventualmente ele abriu a boca.
“Fui treinado para ser um espião pela instituição de treinamento militar supervisionada por seu pai.”
Instituições de treinamento militar. Annette também tinha ouvido falar sobre isso. Foi há dois anos, quando a revelação do treinamento secreto de jovens na ilha sob a liderança da família real causou uma comoção. Para proteger os direitos humanos dos jovens, a lista com o nome dos treinados foi mantida em privado.
No entanto, esta foi a primeira vez que soube que Heiner havia sido treinado lá.
“Punições, drogas, tortura, confinamento… todos os métodos necessários para treinamento foram mobilizados. Eu me formei como o melhor da minha turma e ficaram felizes comigo, então, seu pai me acolheu.” – Velhas histórias fluíam de sua boca.
Heiner era um espião militar talentoso. No processo, foi torturado várias vezes e quase morreu, mas isso era algo que ele tinha que precisava ficar no passado. O pai de Annette, Dietrich Rosenberg, era o primeiro a remover os espiões que se estavam ameaçados ou que corriam risco de serem descobertos. Eles eram colegas e companheiros de Heiner.
De qualquer forma, a operação de treinamento foi bem-sucedida e a ascensão de Dietrich ao posto de general foi em grande parte devido a Heiner, que encerrou sua carreira de espião e começou a trabalhar na sombra do regime.
“…Mas eu odiava Dietrich e a família real, então ajudei o exército revolucionário a estabelecer o governo atual. Chegar perto de você era parte do plano. É isso.” – As palavras de Heiner eram mais como um relatório do que uma explicação.
A carta amassou levemente na mão de Annette. Seus lábios se apertaram em uma luz fina enquanto perdia o sorriso. – “O objeto de seu ódio…”
“….”
“Também era eu?”
Seus olhares se encontraram no ar. Annette esperava que ele respondesse ‘não’, mesmo que fosse mentira, porque tudo entre eles foi uma mentira e adicionar mais uma não mudaria nada.
“Seis anos atrás.” – Uma voz fluiu de Heiner tão seca quanto areia do deserto. – “Três dos meus companheiros foram mortos na última operação de Munique, na qual fui enviado como espião, e os outros dois foram eliminados por Dietrich. Como tal, sobrevivi sozinho… então fui convidado a entrar na residência Rosenberg.”
Annette também se lembrava daquele dia. Ela tinha a lembrança vívida de seu coração acelerado enquanto ele sorria para ela no meio de um jardim de rosas em plena floração.
“Eu a vi sorrindo no jardim de rosas da mansão, usando joias e um vestido elegante. Você lamentou por ‘aqueles que deram suas vidas pelo país’ como se estivesse fazendo um grande favor.” – Uma cor diferente surgiu nos olhos cinzentos de Heiner. – “Se eu também a odiei? Sim.”
Annette abriu e fechou os lábios silenciosamente, ficando sem palavras.
“Eu odiei você.”
A resposta dele limpou a névoa da cabeça dela. Ela certamente queria que ele dissesse não, mas foi bem esclarecedor ouvir a verdade.
“Ok.” – Annette murmurou, sua voz baixa. – “Entendo…”
Era simples. Heiner Valdemar odiava Annette Rosenberg. Ele só se aproximou do objeto de seu ódio por vingança. E ela o amou sem saber disso.
“Então isso será fácil de resolver.” – Annette deu um passo à frente. Seu orgulho esmagado e seu coração traído doíam, mas ela tentou o máximo ignorar. Esperando que sua voz não tremesse, ela disse articuladamente. – “Quero o divórcio, Heiner.”
“Não concedido.”
“Você quebrou a confiança em nosso casamento, essa é uma razão adequada para o divórcio.”
“Eu disse que não.”
“Ainda sou útil para alguma coisa? Meu pai e minha mãe estão mortos, a monarquia caiu e eu não tenho nada. Tudo que me restou é ser a esposa do comandante Heiner Valdemar. Sua vingança acabou…!”
Heiner levantou-se lentamente. Seu corpo grande se erguia infinitamente mais alto do que ela. Annette olhou para ele, que estava de costas para a luz que brilhava através da janela, sua figura imersa na sombra. Horrorizada, Annette tentou dar um passo para trás. Mas antes que ela pudesse se afastar, a mão dele se estendeu e agarrou seu queixo.
“Annette” – ele disse – “Onde pretende ir para ser feliz?”
“…Não há lugar algum onde eu possa ser feliz.”
“Então isso será fácil de resolver.” – Os lábios de Heiner se esticaram em um sorriso enquanto repetia as palavras de Annette. Covinhas profundas se cravaram em ambas as bochechas com um sorriso frio. – “Se for esse o caso, pode ser infeliz ao meu lado pelo resto de sua vida.”
A luz vermelha do pôr do sol atrás dele brilhava assustadoramente. Em meio à luz vermelha como o fogo do inferno, Annette de repente percebeu que a vingança de Heiner não havia acabado.