Noites de Caos (novel) - Capítulo 05
Eunha não conseguia dormir de jeito nenhum. Toda vez que fechava os olhos, as palavras do dono da livraria ecoavam em sua cabeça. Toda vez que abria os olhos, tudo o que conseguia ver era o rosto de sua linda irmã. Seus olhos vermelhos e inchados eram uma prova do quanto ela havia chorado durante o dia.
A maioria das cortesãs tinha origens humildes, muitas vezes vindas de famílias de baixa posição social. Mesmo que se vestissem com roupas normalmente reservadas para as mulheres de famílias ricas e recebessem muita adoração, ainda eram tratadas como alguém de classe baixa. Apesar desse tratamento, sua irmã era conhecida como a ‘Flor de Buyeong’. Uma flor que todos estavam loucos para colher. Quanto mais ela pensava em sua irmã, pior ela se sentia.
“Por que alguém de alta posição social contrataria alguém como eu para ler histórias para ele?”
“Porque ele não consegue enxergar”
“O quê? Ele é cego?”
“Sim. Por isso faz sentido que esteja procurando alguém que possa ler para ele, mas se não estiver interessada vou pedir a outra pessoa”
“Não! Eu nunca disse que não faria isso, eu só estava curiosa sobre ele. Afinal, preciso saber mais sobre a pessoa antes de decidir trabalhar para ela”
O dono da livraria decidiu dar a Eunha algum tempo para pensar sobre isso e disse que provavelmente seria um trabalho fácil de fazer. Não havia razão para recusar a oferta de emprego, pois esse homem parecia ser de uma classe social muito alta… Mas por que ela não conseguiu dizer sim imediatamente?
Eunha, que estava olhando para uma pilha de livros que estavam no canto do seu quarto, vestiu sua roupa exterior e saiu. Ela sentou-se na varanda de madeira e olhou para o céu brilhante enquanto descascava a pele morta dos seus lábios rachados. A verdade é que ela sabia por que estava hesitando e por que não queria ganhar dinheiro lendo apesar de seu amor por livros.
“Eu sou inocente! Um caso com a madame? Excelência, eu realmente sou inocente! Meu trabalho é ler livros para os outros! Juro pelas minhas filhas, tudo o que fiz foi ler livros para a madame!”
Era um dia frio quando seu pai foi acusado de ter um caso com a esposa de um alto funcionário público. Ele foi levado para o escritório do governo e, uma vez lá, o espancaram com um porrete de madeira. Elas não podiam fazer nada, Eunha e sua irmã choraram e imploraram pela vida de seu pai, mas tudo o que receberam foram chutes e insultos.
Naquele dia, o pai delas morreu diante de seus olhos. Naquela época, elas não sabiam a identidade da mulher importante com quem o pai delas supostamente dormiu e também não faziam ideia do que era um caso e por que era considerado um crime. Alguns anos depois, os servos começaram a chamá-la de “Princesa”. Naquele momento, a vergonha que ela sentia não podia ser expressa em palavras. Essa foi a razão pela qual ela parou de repente de levar álcool ao túmulo de seu pai.
Eunha apoiou a testa nos joelhos e mexeu os dedos de seus pés congelados. Ela fungou enquanto tentava segurar as lágrimas. Se seu pai não tivesse cometido tal erro, sua irmã não precisaria se tornar uma cortesã e ela não estaria cheia de dúvidas sobre o que deveria fazer em seguida.
“Eunha, está frio aí fora, o que está fazendo?”
Eunha se virou para Yongi, que tinha acabado de abrir a porta. Ela olhou fixamente para Eunha por um tempo, suspirou e então abraçou o corpo frio da irmã. Ela deu um tapinha gentil na cabeça dela enquanto dizia que tudo era apenas um pesadelo.
***
“Não estou me sentindo bem, Chunhee. Parece que peguei um resfriado” – Chunhee olhou para Lee Yongi com pena antes de sair da sala para buscar um pouco de chá quente.
Após ouvir sua irmã tossir, Eunha se vestiu de homem para poder chamar um médico, pois queria que Yongi fosse examinada o mais rápido possível, mas Yongi tentou parar Eunha com uma expressão pálida.
“Não se preocupe comigo, vou aproveitar a oportunidade e descansar um pouco. Se quiser, vá me comprar um remédio.”
“Do que está falando? Sua febre está muito alta! Vamos fazer com que um médico te examine… Por favor?”
“Só consigo descansar em momentos como esse. Sinceramente, espero que dure mais.”
“Por favor, não diga isso! Como pode dizer algo assim?!” – Irritada com as palavras dela, Eunha forçou Yongi a se deitar, antes de cobri-la com um cobertor e colocar uma toalha molhada em sua testa.
Yongi agarrou a mão de Eunha e colocou algumas moedas em sua palma. – “Hoje é dia de mercado, certo? Saia e compre alguns doces, compre um livro e, se vir uma fita fofa, compre. Vou amarrar seu cabelo com ela.”
“Não preciso do seu dinheiro.”
“É uma gorjeta para a tarefa. Compre remédio para mim no caminho de volta.” – Lee Yongi sorriu lindamente, mesmo suportando as tosses dolorosas e contínuas.
Eunha não sabia o que fazer e só foi embora depois que Chunhee retornou com chá de flor de baloon. Enquanto ela se afastava, Eunha olhava constantemente para trás com uma expressão preocupada. Embora Chunhee fosse serva de Simdeok e tivessem se conhecido na casa das cortesãs, Eunha acreditava que Chunhee cuidaria bem de sua irmã.
Eunha caminhou rapidamente em direção ao seu destino. Se aceitasse o pedido do dono da livraria havia uma chance de que pudesse encontrar a pessoa que queria contratá-la imediatamente. O fato de ela estar vestida como homem a incomodava um pouco, mas pelo que ela tinha ouvido, ele era cego e provavelmente não se importaria com sua vestimenta. Afinal, seu trabalho era ler.
“Tem alguém aqui?” – Eunha chegou à livraria e bateu na porta.
Talvez por ser cedo de manhã, o dono apareceu atrás dela com uma grande sacola na mão. – “Chegou cedo hoje!”
No momento em que ela avistou os novos livros de línguas ocidentais em suas mãos, os olhos de Eunha se arregalaram de surpresa. – “Por que está com tantos livros caros?”
“Este é o pedido da pessoa que esteve aqui outro dia. Tive que acordar bem cedo e andar uma longa distância para buscá-los.”
“Da próxima vez, por favor, me leve também. Estou muito interessada.”
“Ok, claro. Mas o que você está fazendo aqui tão cedo? Talvez… esteja aqui para aceitar a oferta de emprego que falei outro dia?”
Eunha sorriu e assentiu. – “Depois de pensar sobre isso, comecei a entender o quão frustrante a cegueira pode ser. Isso e o alto salário me fizeram ficar interessada neste trabalho.”
“Bem, então vamos lá?”
“Agora?” – Eunha exclamou, arregalando os olhos de surpresa.
Depois de ver a reação dela, ele gesticulou em direção à bolsa que estava carregando. – “Eu estava prestes a ir entregar os livros que ele pediu. Não seria melhor me acompanhar? Dessa forma, poderá encontrá-lo diretamente.”
“Ok, mas não tenho muito tempo. Ainda preciso comprar remédios para minha irmã.”
“Por quê? Ela pegou um resfriado?”
“Sim, e muito forte.”
O dono da livraria estalou a língua em resposta antes de liderar o caminho. Enquanto Eunha o seguia, olhou ao redor enquanto o mercado começava a abrir. Havia uma criança acompanhada por sua mãe vendendo ervas secas, um comerciante exibindo diferentes tipos de fitas, do outro lado da rua um artista estava desenhando um casal, mais abaixo podia ver um vendedor de caramelo… Embora estivessem meio do inverno, conseguia ver pessoas em todos os lugares. Ela não entendia o porquê, mas essa visão lhe dava força.
***
“É aqui.” – Nem o dono da livraria nem Eunha conseguiam acreditar no que viam.
“Eu… eu não sabia que havia uma casa tão grande na cidade.”
“Eu também não. Ele realmente mora aqui? Parece um palácio.”
“Um palácio é muito maior do que isso. Por favor, tome cuidado, parece que ele não é uma pessoa comum.”
Eunha engoliu em seco ao lado do dono da livraria.
“Tem alguém aqui?” – O velho gritou.
Alguém que parecia ser um guarda abriu a porta e olhou para eles com desconfiança. – “Quem são vocês?”
“Bom dia, somos da livraria. O dono desta casa pediu para entregarmos alguns livros e eu também trouxe alguém que poderá ler para ele.”
“Oh… Este é o leitor?” – O guarda olhou Eunha e seu traje de menino com suspeita. O dono da livraria riu e deu um tapinha nas costas de Eunha.
“Embora esteja vestida como um menino, é na verdade uma garota. Ela prefere se vestir assim, então, por favor, tente ser compreensivo. Etnão, ele está acordado ou chegamos muito cedo?”
Eunha ficou surpresa com a forma como o dono da livraria estava falando. Era a primeira vez que o via agir dessa forma. Ela olhou para a casa grande com uma expressão atônita. Ao entrarem na casa que parecia um palácio, Eunha tentou o máximo não parecer deslumbrada, mas o interior da casa era ainda maior do que parecia do lado de fora.
Havia uma escadaria feita de pedras, pinheiros por todo lado, e ela podia ver mais de dez guardas. Era pelo menos duas vezes o tamanho de uma casa de cortesãs normal. Até mesmo a casa onde o Jovem Mestre Yoon vivia não era tão grandiosa quanto esta. Ela começou a se perguntar sobre que tipo de pessoa vivia em um lugar como esse.
Eles estavam parados no meio do pátio quando um guarda armado se aproximou deles. O dono da livraria parecia conhecer aquela pessoa, pois o cumprimentou imediatamente. – “Sou eu, o dono da livraria Song Ga. Preparei os livros que pediu e o leitor que me pediu para apresentar.”
Após ouvir as palavras do dono da livraria, o guarda olhou para Eunha, e ela se sentiu intimidada pelo olhar dele. – “Bom trabalho. Milord apenas concedeu ao leitor permissão para entrar. Portanto, pode esperar na casa do servo.”
“Ah… Sim, sim.”
Dois servos surgiram do nada e pegaram os livros do dono da loja. Enquanto Eunha seguia o homem armado, ela notou que o dono da loja também parecia confuso. Ela tirou os sapatos que estavam congelados e entrou. Havia um grande corredor que estava cheio de escuridão devido à falta de luz natural. Eunha se sentia nervosa e respirava pesadamente.
A espada do homem que caminhava à sua frente não era uma lâmina normal. Ela estava olhando para a bainha, que estava gravada com a figura de um tigre, e não percebeu que o homem armado havia parado de andar, então quase esbarrou nele. Ele pareceu irritado.
Antes de abrir a porta, ele avisou Eunha. – “Não pergunte nada. Não tente conversar. Não se levante antes que ele dê permissão. Entendeu?”