A Tatuagem de Camélia - Capítulo 37
Com um suspiro profundo, Igmeyer avançou e afastou Nicholas com um empurrão brusco. Seu golpe de espada foi tão rápido que ninguém conseguiu acompanhar o movimento, apenas um clarão cortou o ar.
— O que está fazendo…?! — protestou Nicholas, que havia sido atirado ao chão.
Mas, naquele instante, a criatura que até então se encolhia como um gatinho, fingindo inocência, abriu a boca de repente. Seu plano era ganhar forças devorando Nicholas e, assim, escapar dali.
O Gato das Sombras, agora aumentado de tamanho, escancarou a mandíbula, exibindo presas afiadas que brilhavam, pronto para abocanhar o torso vulnerável de Nicholas.
Antes mesmo que o grito de Nicholas ecoasse, a lâmina de Igmeyer caiu como um raio.
Sem chance de gritar pela última vez, o Gato das Sombras foi partido ao meio, sem sequer perceber sua própria morte.
— U-Urgh! — Nicholas, assustado, cobriu o rosto com os braços de forma quase cômica, soltando um berro.
Igmeyer, achando a cena simultaneamente engraçada e lamentável, guardou a espada e soltou uma advertência dura:
— Você pode ficar aqui prestando serviços médicos, mas não se meta nos assuntos de Niflheim de forma imprudente. A minha paciência tem limites.
— …!
— Niflheim tem o seu próprio ecossistema. Compaixão é um luxo aqui. Viver assim vai te matar antes da hora.
O aviso silencioso de Igmeyer foi recebido com risadas abafadas dos espectadores.
Nicholas, ainda estirado no chão, não recebeu nenhuma ajuda do guerreiro, que virou as costas friamente.
Então, o olhar de Igmeyer encontrou o de Amber.
‘Será que ela ouviu?’
‘E se o julgasse mesquinho e cruel? Deveria voltar e oferecer a mão agora?’
Uma confusão de pensamentos passou pela mente de Igmeyer. Seu turbilhão interno foi interrompido por um soldado que corria em sua direção.
— Encontramos a criança! — anunciou o homem.
Amber imediatamente voltou sua atenção para ele, e Igmeyer soltou um suspiro de alívio.
— Onde está? Traga-a aqui imediatamente.
Igmeyer decidiu que aquele soldado merecia um bônus especial.
Quando questionado, o soldado respondeu com postura formal:
— Senhor Raphael está trazendo-a.
— Ótimo.
O cavaleiro de cabelos prateados logo apareceu, carregando uma criança maltrapilha.
— Estava no esgoto.
— No esgoto?
— Sim. Não foi a força, ela entrou lá por vontade própria.
Normalmente, se esperaria que uma criança fosse carregada de volta, mas dizer que foi trazida sugeria resistência… em outras palavras, uma personalidade difícil.
— É menino ou menina?
— Eu sou menino! — respondeu à criança de cabelos longos e embaraçados, com voz alta e cheia de atitude.
Igmeyer sentiu certo alívio ao ver aquele temperamento. Se fosse dócil e frágil, atrairia ainda mais a preocupação de Amber. Um pouco de teimosia talvez fosse melhor, nesse caso.
— Nick, pode examiná-lo?
— Ah…, sim, claro.
A pedido de Amber, Nicholas levantou-se, limpando a poeira das calças, e foi até o menino, que tentava escapar assim que Raphael o colocou no chão. Mas, naturalmente, um cavaleiro não deixaria um garoto de nove anos fugir tão fácil.
— Dentes saudáveis, visão aparentemente boa, audição… normal, e músculos desenvolvidos.
— Não me toque! — rosnou o menino.
O chefe da vila, chegando atrasado, baixou a cabeça diante da cena.
— Ah, meu Deus… então chegou a este ponto…
Amber o encarou friamente.
— O senhor nos deve uma explicação completa por omitir a existência desta criança no seu relatório.
A busca havia terminado. Restava apenas o acerto de contas.
🌸🌸🌸
Resumo das justificativas longas e cansativas do chefe da vila:
A mãe da criança engravidou de um pai desconhecido e morreu no parto. No início, uma família o acolheu. Mas, quando começou a falar, o garoto passou a fazer comentários estranhos. As falas sobre “portões” só se tornaram conhecidas quando ele tinha cinco anos. Inicialmente, os aldeões acreditaram nele e alertaram as guarnições próximas. Porém, a maioria de suas previsões era falsa. Mas, como a maioria das previsões estava errada, os cavaleiros começaram a reclamar de recursos desperdiçados. Mesmo assim, o menino continuou fazendo alegações e, com o tempo, ninguém mais quis cuidar dele.
Assim, passou a viver sozinho numa casa abandonada.
— E, conforme cresceu, começou a atirar pedras nas outras crianças… repetindo mau comportamento…
— E então?
— Virou um incômodo. Mas não poderíamos mostrar uma criança assim a convidados ilustres. A culpa não é da vila, mas dele, que não para de mentir…
Enquanto o chefe falava, a expressão de Amber se apagava.
Mesmo assim, isso justifica maus-tratos?
‘Antes de titular o menino de mentiroso, demônio, inútil… alguém tentou ouvi-lo de verdade?’
‘Além disso, talvez ele tenha sido taxado de mentiroso por minha causa.’
O garoto sem nome encolheu-se entre os cavaleiros, seus olhos dourados brilhando ferozes sob a franja. A intensidade naquele olhar contradizia a acusação de um mentiroso.
De quem era a responsabilidade?
Amber sentiu que precisava assumir algum compromisso com ele. Talvez fosse a única forma de acalmar sua consciência.
— O que vamos fazer?
— Violência nunca é justificável.
A resposta firme de Amber à pergunta de Igmeyer deixou claro.
O resto cabia a ele. Não era papel dela punir o chefe da vila.
— Olá, pequeno. — Amber se voltou para o garoto. — Qual é o seu nome?
Mas por que aquela sensação de familiaridade?
Observando os cabelos negros do menino, Amber inclinou a cabeça. Algo nele lembrava alguém que conhecia bem.
— … Não tenho.
— Então… posso lhe dar um novo? Vou escolher algo que você goste.
Mesmo que ele já tivesse um, Amber pretendia oferecer outro.
Pensativa, olhou para Igmeyer.
— Vocês dois se parecem muito.
— Eu e o Grão-Duque?
— Sim. Seu nome será… Jason. O que acha?
Por trás dos cabelos desalinhados, o garoto, agora Jason, ficou visivelmente animado. Gostou do nome.
— Então, Jason… quer vir comigo?
Amber pegou um lenço que Nora lhe entregou e limpou seu rostinho com cuidado. Ele não resistiu, apenas estremeceu quando tocaram em sua franja.
— Oh, meu Deus! — exclamou Nora ao ver o rosto revelado do menino. — Senhora, o rosto dele…!
— … Também estou surpresa.
Olhos brilhantes como estrelas do entardecer e uma expressão teimosa, denunciando um temperamento forte. Mesmo jovem, havia nele um ar afiado.
— Sim… ele é realmente a imagem de Igmeyer — murmurou Amber.
Igmeyer se aproximou e o examinou de perto. Como os outros, também ficou chocado.
— Vamos deixar claro, ele não é meu filho.
— … Certo.
Igmeyer afastou a franja do menino e inspecionou sua testa, notando as protuberâncias ósseas.
‘Droga.’
Era uma característica física herdada apenas por aqueles com sangue de Niflheim — proeminente na infância e desaparecendo por volta dos 15 anos.
O garoto deixou provavelmente o cabelo crescer para esconder essas marcas.
— Parece que meu pai deixou outro filho por aí… Ainda tinha energia, aquele velho moribundo… deixou um “reserva”, hein?
Amber ficou surpresa. Conhecia bem as implicações políticas.
O antigo Grão-Duque fora viúvo jovem, sem filhos legítimos, e Igmeyer, um filho ilegítimo, herdara o título. Todos acreditavam que ele era o único.
O Grão-Duque só o reconheceu publicamente após ele se destacar como mercenário. Nunca mencionou outro filho.
Igmeyer foi considerado “suficiente”.
Qualquer outro bastardo era irrelevante. Se ele falhasse, talvez outro fosse escolhido.
— Pode haver mais crianças como ele?
Amber perguntou com voz trêmula. Igmeyer negou com a cabeça.
Não. Isso não era o estilo do velho. Esse garoto é provavelmente o único “reserva’.”
— Meu Deus…
Jason ouvia tudo com uma careta. Aos nove anos, não sabia como reagir e permaneceu em silêncio.
Igmeyer, espelhando sua expressão, olhou para ele.
— Ei, Ervilhinha — disse Igmeyer.
— Eu não sou ervilha!
— Sou seu meio-irmão. Provavelmente. Enfim, venha comigo.
— Não quero!
Olhos vermelhos e dourados se enfrentaram. O duelo de olhares durou segundos até Jason, agora “Ervilha”, correr e se esconder atrás de Amber.
Igmeyer soltou uma risada incrédula.
Continua…
Tradução: Elisa Erzet